Foto: Rosinei Coutinho/STF
O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) 18 de abril de 2024 | 21:30
O embate entre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes e o bilionário Elon Musk por causa de ordens de remoção de perfis da rede social X (antigo Twitter) teve um novo capítulo com a divulgação de dezenas de decisões sigilosas do magistrado por deputados republicanos que integram a Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos (EUA). Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, que é especialista no estudo de liberdade de expressão, o ministro ultrapassou limites e agiu de forma agressiva ao ordenar a derrubada de centenas de contas.
“Entendo que atravessou-se um limite em relação às redes sociais que é de acreditar que a liberdade de expressão é um risco, um perigo, e as redes sociais um potencial malefício à sociedade. Parte-se, ao que me parece, desse princípio. Retira-se tudo de imediato, sob pena de multas horárias de R$ 100 mil por padrão. É tudo muito agressivo”, disse à reportagem.
Marsiglia considera que a remoção de perfis das redes sociais é uma medida drástica que culmina em censura prévia dos atingidos, o que, no seu entender, fere princípios legais. Ele avalia que a remoção de publicações é uma medida mais assertiva para frear a divulgação conteúdos criminosos sem que o usuário das redes sociais seja impedido de se manifestar sobre quaisquer outros assuntos no futuro.
Em dezembro do ano passado, o STF validou a resolução editada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que autorizou a suspensão temporária de perfis, contas ou canais mantidos em mídias sociais. A corte também validou a prática de imposição de multas de R$ 100 mil a R$ 150 mil em caso de descumprimento da decisão, sendo obrigatória a remoção de conteúdos ou suspensão de contas em até duas horas, medida que agora é replica por Moraes.
Na ocasião, a maioria dos ministros rechaçou a tese de que se trataria de censura prévia. A decisão determinou, no entanto, que essas regras só valem para o período eleitoral, quando é necessário ter reação imediata para que conteúdos falsos não afetem as eleições. Para Marsiglia, as decisões divulgadas pelos parlamentares norte-americanos demonstram que houve uma ‘inversão’ do que é regra e do que é exceção na Constituição em relação às redes sociais.
Marsiglia ainda avalia que Moraes errou ao manter as decisões e os processos sob sigilo. “A gente conhecendo as decisões percebe que não há nada ali que justifique o sigilo, ao contrário. Se havia uma percepção de que essas pessoas estavam agredindo a democracia ou coisa do gênero, é melhor que a gente conheça esse conteúdo e a sociedade saiba o que está acontecendo”, disse.
Outra crítica de Marsiglia é ao fato de os despachos com as ordens de comunicação dos conteúdos não virem acompanhados da fundamentação jurídica no mesmo texto. Segundo ele, “não basta um ofício porque a plataforma, mesmo não sendo parte, está obrigada a tomar uma providência”.
“Entendo que isso seja equivocado e seja um erro porque as plataformas não estão sendo apenas comunicadas da ordem. Essa ordem vincula as plataformas. Está sendo dito à plataforma que ela tem a obrigação de excluir perfis”, disse. “Isso é muito mais do que uma comunicação. No momento em que ela tem a obrigação de excluir ela passa a ser automaticamente interessada em recorrer desta decisão e conhecer os seus fundamentos, até porque se a plataforma excluir indevidamente ela pode ser responsabilizada pela exclusão perante o excluído”, completou.
O STF emitiu um comunicado nesta terça-feira, 18, com a informação de que os documentos sigilosos divulgados são apenas os ofícios enviados às plataformas para o cumprimento das ordens de remoção dos perfis, e não a íntegra das decisões devidamente fundamentadas que justificaram a medida.
“Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação”, diz um comunicado divulgado à imprensa pela Secretaria de Comunicação do tribunal.
Para explicar o modelo de atuação de Moraes, o STF exemplificou que os despachos sigilosos divulgados seriam equivalentes a mandados de prisão – ou seja, o teor do documento apenas informa que uma ordem deve ser cumprida. A fundamentação jurídica apresentada pelo ministro para justificar as decisões são geralmente divulgadas em despachos separados, que não foram apresentados pelos deputados republicanos.
Antes de comunicar as contas que devem ser removidas pelas plataformas, Moraes informa nos despachos que “foi proferida decisão nos autos sigilosos em epígrafe”. Contudo, é comum que alguns réus em processos relatados pelo ministro se queixem de não terem tido acesso à integra dos autos antes de sofrerem medidas cautelares. O ministro e o STF já negaram diversas vezes que esse cenário seja verdadeiro.
Weslley Galzo/Estadão