InícioEntretenimentoCelebridadeNunca de cinzas: 'O Carnaval voltou. Voltamos a existir'

Nunca de cinzas: ‘O Carnaval voltou. Voltamos a existir’

Meu corpo de baiano tem 56 anos. Todo este tempo aprendi a cultuar sua existência esperando o Carnaval acontecer. Baiano raiz é assim. Vive esperando o Carnaval para sua vida ser mais inteira o resto do ano. 

O corpo pede Carnaval. A memória do corpo convida cada um a lembrar do que mais lhe diverte em sua existência. Eu sempre me diverti com o Carnaval de Salvador, entendo e gosto dos outros, mas meu corpo pede “Os Carnavais de Salvador”, como gosto de pronunciar: na pluralidade.  

Depois de dois anos sem acontecer, voltei a ter 54 anos. Todo mundo deixou de existir dois carnavais em sua idade. Até quem não gosta, nem a chance de reclamar do Carnaval teve. 

Esse movimento de levar o corpo pra pular carnaval aqui é invertido. É o corpo que leva, quando você se dá conta já está na avenida, sem lenço e sem documento. 

Esse ano não pude ser levado por ele ao carnaval e quando dei por mim estava balançando cada músculo na frente da tv e gritando alto em minha alma o slogan de Vanderson Nascimento, que Saulo Fernandes musicou e decretou: “Deus me livre de não ser baiano e não ter carnaval todo ano”. 

Meu corpo é de Carnaval e de São João também, de gente, de afeto, de violão, de emoção. O Carnaval voltou. Voltamos a existir. Essa sensação que invade o sentido da vida com alegria, para lidar com o caos nosso de cada dia. 

Que carnavalzão! Aumentativo. Superlotado de Brasil e de mundo. Hiperlotado de nós, quer estivéssemos ou não, quer gostemos ou não. Estourado de alegria e convocado a fazer alegre também a invisibilidade de tantos, que se multiplicou e precisa ser acolhida para que todos, ao máximo possível, brinquem sem dor. 

Cada célula desse nosso corpitcho baiano sente saudade, antes mesmo de acabar, mas já renova a fantasia quando se dá por cansado em cinzas, seja quarta, quinta, sexta ou nunca. Tem baiano que é assim “nunca de cinzas”. 

Também não me canso de sintonizar na beleza das multidões. Na poesia dos corpos em movimento. Sem julgamentos intelectualóides, nem debilóides, apenas a poesia e a memória do corpo de cada pessoa. Aquelas que trazem “a carne de Carnaval e o coração igual”. Aquelas que dizem que somos responsáveis pela multidão, pois somos a multidão. 
 
Que tal pensar nas memórias do seu? Desejo que ele seja um corpo de baiano e se lembre, que o ano agora pode começar com vida, inspirada e respirada. 

“Ano passado eu morri mas esse ano eu não morro”. Que todos renasçam em cinzas e sigam para a próxima estação existencial deste nosso modelo biológico nordestino: São João. 

Andrezão Simões, corpo e alma de Carnaval. 

*Produtor Artístico, Terapeuta Junguiano e Comunicador.

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