São Paulo — Um ex-presidente da República, um ex-diretor-geral da Polícia Federal (PF), ex-ministros de Cortes Superiores, seis desembargadores aposentados, ex-governadores, ex-senadores e algumas das bancas de advocacia mais renomadas e caras do Brasil.
Esse é o batalhão de engravatados arregimentados para atuar na maior briga societária do país: a disputa pelo controle da Eldorado Celulose entre a gigante brasileira J&F e a empresa indonésia Paper Excellence, uma das maiores produtoras de papel e celulose do mundo. Um negócio avaliado em R$ 15 bilhões.
A disputa começou em 2017, quando a controladora da J&F vendeu 100% da Eldorado, seu braço na produção de celulose, para a Paper Excellence. A empresa indonésia chegou a comprar 49% da sociedade por R$ 3,8 bilhões. Na fase de conclusão do pagamento e da transferência da Eldorado, as empresas romperam.
Desde então, a J&F acusa a Paper de descumprir garantias e prazos. Já a Paper diz que a empresa brasileira dificultou a conclusão da transação. O caso foi parar em uma câmara de arbitragem — um tribunal privado —, que deu razão à Paper Excellence.
Há seis anos, a J&F briga na Justiça para anular o resultado deste julgamento. Toda a ação da J&F para questionar a arbitragem foi movida no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que ainda não terminou de julgar o caso. Mesmo assim, já existem investidas das defesas das empresas nas Cortes Superiores em Brasília.
Nessa quarta-feira (20/12), o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência da J&F. Na mesma decisão, o ministro teve de se debruçar sobre um pedido do grupo que citava o litígio com a Paper.
A J&F disse que foi forçada a vender a Eldorado e outros ativos em meio a uma “situação de inconstitucionalidade estrutural e abusiva” decorrentes das operações Lava Jato e Greenfield, das quais foi alvo. Sobre esse pedido específico, o ministro disse que o rejeitou, “em princípio”, para que ele seja analisado pelas instâncias competentes.
Exército da J&F Nessa briga bilionária com a Paper na Justiça paulista, o grupo comandado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista tem como integrante de destaque em sua extensa lista de defensores a advogada Roberta Rangel, mulher de Dias Toffoli.
Além dela, também receberam procurações da J&F o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) César Asfor Rocha, seu filho Caio Rocha, os ex-presidentes do TJSP Renato Nalini e Ivan Sartori, e o ex-presidente da OAB Marcus Vinicius Furtado Coelho. Outro personagem é o advogado Tiago Cedraz, filho do ministro Aroldo Cedraz, do Tribunal de Contas da União (TCU).
Mais recentemente, o time da J&F foi reforçado pelo ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski, após sua aposentadoria, e ainda conta com outros quatro desembargadores paulistas aposentados. Um deles é o ex-presidente do TJSP Manoel Pereira Calças, cuja entrada para a advocacia passou a ser mais conhecida entre ex-colegas em um jantar promovido em dezembro de 2022 por um dos advogados da J&F.
Paralelamente à briga na esfera civil, o grupo dos irmãos Batista investiu em um inquérito na Polícia Civil de São Paulo sobre um suposto hackeamento de seus e-mails internos que mirou a cúpula da Paper Excellence, mas acabou arquivado. Essa briga reuniu uma porção de grandes escritórios de criminalistas, entre eles o do atual ministro do STF Cristiano Zanin.
O ministro e sua esposa, a advogada Valeska Martins, romperam com o advogado Roberto Teixeira, amigo de longa data do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e sogro de Zanin. Nessa briga envolvendo a Eldorado Celulose, eles também estão em lados opostos, já que Teixeira é advogado da Paper.
Ainda pelo lado da J&F nesse inquérito policial também atuaram uma advogada do escritório de Frederick Wassef, advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e o ex-delegado Leandro Daiello, que foi diretor-geral da PF por seis anos, no governo Dilma Rousseff.
Exército da Paper A Paper Excellence, do empresário indonésio de ascendência chinesa Jackson Widjaja, também tem um time de peso para atuar nos tribunais e nos bastidores. A começar por Michel Temer (MDB), que é frequentemente consultado pelo CEO da empresa no Brasil, Claudio Cotrim. Ele chegou a telefonar para o ex-presidente da República durante uma das audiências, segundo um servidor da Justiça que o acompanhou na saída da sala.
Como conselheiros nessa disputa, a empresa indonésia também conta com a atuação dos ex-governadores João Doria (SP) e Cássio Cunha Lima (PB), e do ex-senador Romero Jucá (MDB), dono da Blue, uma empresa de lobby em Brasília.
O advogado José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça, também integra o time de defensores da Paper, assim como o advogado Marco Aurélio Carvalho, amigo de Lula, coordenador do Grupo Prerrogativas, e um dos nomes cotados para assumir a pasta da Justiça após a indicação do ministro Flávio Dino para o STF. Já na briga da Justiça Criminal, que envolvia os inquéritos policiais, a Paper recrutou o ex-delegado e ex-deputado Marcelo Itagiba. Mesmo com tanto investimento de ambos os lados, a disputa pelo controle da Eldorado parece estar longe do fim.