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Os ricos do submarino: também pensei “viu, sacana?” e achei divertido quando citaram o darwinismo

Nesta semana, bilionários encontraram morte trágica no fundo do mar, dentro de uma cápsula apertada, trancada por fora, a quase 4km de profundidade, no meio do Oceano Atlântico. Foram colocados nessa situação à força? De jeito nenhum e muito pelo contrário. Eles escolheram o passeio e pagaram caríssimo. Fúteis? Ridículos? Infelizes? Talvez. Mas não muito diferentes de você e de mim. Venha cá e vamos pensar juntinhos. Antes, fique tranquilo. Eu também acho que “bilionários não deveriam existir”. Óbvio que os relaciono – em certa causa e consequência – aos miseráveis. É injusto que poucos tenham tanto e tantos tão pouco, concordo. Há a necessidade urgente de uma melhor distribuição de renda no planeta. Também achei que foi só por essa “consciência” que dei risada com todo o conteúdo que surgiu nos memes, enquanto aqueles humanos explodiam lá pelas bandas do Titanic tomado por ponto turístico. Assumo que também pensei “viu, sacana?” e achei divertido quando citaram o darwinismo. Não vou mentir porque não sou tirada a “santa”, “good vibes” nem “temente a deus”. Assim como qualquer humano médio, tenho sentimentos lindos, amorosos e generosos. Sou uma boa pessoa, na maior parte do tempo. Mas, também, tenho pensamentos sombrios, do tipo que muita gente acha até “inconfessável”. Inclusive esse de “vingança de classe” que ecoou na manada. Mas não foi só isso, né? Claro que não. Gosto muito de honestidade. Então, preciso dizer que, do mesmo jeito que você, eu também sinto inveja de quem tem dinheiro suficiente para não pensar em dinheiro. Que rico – rico mesmo – é assim. É dinheiro nem ser assunto, é não fazer qualquer conta, é a pessoa transportada para outra dimensão e, importantíssimo: podendo viver no anonimato. A gente nem sabe direito quem eles são. Acho que deve ser muito interessante. Mesmo que “enricar” nunca tenha sido meu objetivo de vida, se caísse do céu, eu não rejeitaria. E ainda acho que mereço mais do que muita gente, sim. Porque, assim como você, eu seria uma rica incrível. Que aproveitaria da melhor maneira possível os meus bilhões e bilhões de dólares sem uma nesga de cafonice. Sem demonização facial, sem cílios de espanador, sem unhas de Zé do Caixão e com figurino minimalista, desfilaria pelo mundo esbanjando charme, inteligência e generosidade. Trabalharia por justiça social, inclusive. Muito diferente desses bilionários fúteis e egoístas que são assim porque são eles e não eu que, mesmo sem ser, sei ser riquíssima. Nenhum deles sabe, em nossa opinião. Estão todos “loucos” e infelizes porque só olham para si mesmos. Por isso que fazem coisas tipo se trancar numa cápsula insegura para ver os destroços do Titanic. Vidas vazias e sem sentido. Esses caras vivem buscando “alguma coisa que se sinta”, que nem naquela música que Cássia Eller cantava. De tanto terem tudo, não têm nada. “Dinheiro não compra felicidade”. Poder qualquer coisa acaba com a pessoa, mata o desejo e sem desejo não somos. Né assim que diz o senso comum? Também já acreditei nisso. É bem confortável. Eu te conto ou você já entendeu? Esse discurso diz mais de nós do que deles. Aqui, da nossa vida comum, só desqualificando conseguimos lidar com a existência dessas pessoas. Tem que ter algo de muito ruim nessa vida vivida por um ínfimo percentual de humanos que apenas não conhecem o mote que permeia toda a nossa existência: conseguir dinheiro pra viver dignamente. De algum modo, eles precisam estar fodidos. A gente não aguenta pensar que o que tanto nos importa pode nem ser assunto para outras pessoas. Que essas criaturas podem nem fazer ideia de quanto têm nos bancos e gastar como se não houvesse amanhã, porque o amanhã está garantido. Que podem comprar qualquer coisa que esteja à venda, inclusive certo tipo de amor. Sim, você sabe que é possível. Aí, como a raposa de Esopo, afirmamos que “as uvas estão verdes”. Estão nada, besta. Ser muito rico não é maldição para o próprio rico. “Então, por que esses caras fizeram uma merda dessas?”, você pode perguntar. A resposta é simples: porque tiveram dinheiro pra fazer merda cara e exótica. A maioria de nós só pode – e faz – merda barata e comum. A diferença é só essa mesmo. Buscando “alguma coisa que se sinta” estamos também – ainda que em diferentes níveis – os “cracudos” e eu com meu Dunhill pendurado na boca. Provavelmente, também você, seus vícios e suas maluquices. O que mais tem é pobre e remediado buscando “alguma coisa que se sinta” nas garrafas de bebidas. E encontrando cirrose, claro. Entre tantos outros exemplos possíveis, “qualquer coisa que se sinta” é também o que buscamos nos exibindo (e passando vergonha, quase sempre) nas redes sociais. Também em atividades emocionais arriscadíssimas como relacionamentos que, muitas vezes, nos sufocam e acabam em explosão e morte, igualzinho ao submarino. Vidas podem ser vazias, independentemente da conta bancária. Ou preenchidas de coisas lindas. Ou as duas coisas, alternadamente, que é o que é mais comum. “Enlouquecemos” por motivos diferentes, mas as doenças são as mesmas. Nos curamos ou não, todos, também do mesmíssimo jeito. A falta de grana não lhe salva de nada e dizer isso só seria estranho se a ideia não fosse tão repetida quando acontecem casos como esse desta semana junina. Nessas horas, finalmente, nos colocamos “acima” deles. E por que essa conversa, afinal? Tire o dinheiro como objeto e bote qualquer outra coisa. Permanece a inveja, esse sentimento/tabu do qual nos envergonhamos tanto, que disfarçamos com muitos nomes diferentes. Não a inveja “dos outros”, da qual vivemos nos “protegendo”, mas a que todos (todos!) nós sentimos e, sim, nos mobiliza a produzir espetáculos grotescos como esse que vimos, na última semana, nas redes sociais. Só por sentirem inveja, as “melhores pessoas”, diante das notícias de agonia e morte trágica de cinco humanos, apenas se divertiram lambuzados no sentimento de que “mesmo com todo dinheiro, eles se fuderam e eu tô bem”. É assim que funciona. Gozou com a desgraça alheia? Há grandes chances de ser inveja, pode olhar pra dentro. Isso é horrível? É, mas faz parte do que somos e a coragem de assumir o que somos sempre nos melhora um pouco. Por hoje é só, querido imperfeito. Tamos juntos e sigamos. Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo

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