O gás de cozinha foi o produto que puxou para cima o custo de vida dos moradores de Salvador e sua Região Metropolitana (RMS) em 2022, com um aumento de 20,76%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que nesta terça-feira (10) divulgou o acumulado do ano passado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo, o medidor oficial da inflação no Brasil. Segundo os dados do IPCA, a alta acumulada do custo de vida na RMS (6,29%) só foi menor do que os índices apurados nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro (6,65%) e de São Paulo (6,61%).
A RMS fechou 2022 com a terceira inflação mais alta do país. E ainda ficou acima do indicador nacional (5,79%), mostram os dados do IBGE. Nos setores de alimentação, habitação, vestuário e educação, o índice regional também superou o nacional, diz a supervisora de disseminação de informações do IBGE na Bahia, Mariana Viveiros.
“O valor que se paga para administrar os condomínios aumentou, assim como materiais de limpeza, como sabão em pó, detergente e desinfetante; e o gás de botijão”, detalhou. “Ao longo do ano tem momentos em que há descolamento maior da RMS em relação ao país. Em maio, a taxa foi quase o triplo e em junho, o dobro, do país”, acrescentou.
O economista Antonio Carvalho explica que o processo de desindustrialização na Bahia aumenta os custos de logística devido à necessidade de transporte e, como consequência, a população paga preços mais altos para ter os produtos. “Temos basicamente rodovias e muitas delas não estão conservadas e contribuem no encarecimento do transporte, que afeta quase tudo”, relaciona.
Quanto ao preço do gás de cozinha, ainda há influência de uma “política de oportunismo”, diz ele. “ É um item de consumo essencial, de uso obrigatório. E tanto refinarias quanto distribuidoras cobram mantendo preços elevados para ter lucro maior”.
O gás é tão importante que foi uma das primeiras aquisições da psicóloga Franciele Luz, 23, na casa nova onde vai morar com o noivo. Ela se mudou na segunda-feira (09) e conta que já garantiu o botijão. “Gostamos de cozinhar. Para nós o gás é essencial, tanto que optamos por mudar e ter primeiro uma cozinha mais estruturada”.
O casal pagou R$ 116 pelo combustível, mas só porque conseguiu desconto e já tinha o botijão. Do contrário, o investimento chegaria em torno de R$ 300. “O gasto foi doloroso, mas poderia ser bem pior”.
Franciele e o noivo já tinham o botijão de 13 quilos, caso contrário, teriam de pagar cerca de R$ 300 (Foto: Acervo Pessoal) |
Aumentos sucessivos
Em 2022, sucessivos aumentos no preço do Gás Liquefeito de Petróleo – GLP fizeram com que o valor médio do botijão em Salvador e na Região Metropolitana ficasse em R$ 122 em junho, segundo o Sindicato dos Revendedores de Gás. No mesmo período, cresceu a quantidade de acidentes com queimaduras. De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab), o número de queimados aumentou 18,75% na Bahia no primeiro trimestre de 2022 comparado ao mesmo período do ano anterior. Isso porque, sem dinheiro para o gás, baianos se arriscaram usando álcool para cozinhar.
Este ano, a Acelen, que controla a Refinaria de Mataripe desde o processo de desinvestimentos da Petrobras, em 2021, reduziu o preço do GLP em 13,2%. O novo preço vale desde o início de 2023. A empresa informou que os preços dos combustíveis produzidos na refinaria seguem critérios de mercado, que levam em consideração variáveis como custo do petróleo adquiridos a preços internacionais, dólar e frete.
Outros “vilões”
Além de habitação, o setor de alimentação e bebidas (11,87%) na RMS teve o segundo maior aumento acumulado no Brasil em 2022 e liderou a contribuição no destaque negativo da região. Houve pressão nas taxas dos itens consumidos em casa (12,72%), mas também da alimentação fora (9,33%). O grupo saúde e cuidados pessoais teve o terceiro maior aumento (10,08%) e a segunda principal contribuição para a elevação do custo de vida do ano.
É o que o professor Fabrício Pitombo Leite, da Faculdade de Economia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), observa. Na alimentação, ele cita aumento da inflação em produtos como farinha de trigo, pão francês e óleo de soja, que ultrapassou o índice nacional. Na saúde, com exceção de hospitalização e cirurgia, todos os outros itens de serviço tiveram alta.
Na contramão, transportes (-2,40%) e comunicação (-2,87%) ajudaram a conter a inflação. Gasolina (-24,89%) teve deflação recorde e etanol (-33,66%) também teve queda histórica. Serviços de acesso à internet (-15,04%) e dos aparelhos telefônicos (-5,20%) registraram variação negativa.
Apesar de no último mês do ano, a inflação na RM Salvador (0,39%) ter ficado abaixo da nacional (0,62%), sendo a 3a menor do país, a previsão os especialistas para 2023 é de que os preços voltem a subir devido aos reajustes em transportes, como aumento dos combustíveis, anunciados para 2023.
Vestuário teve maior alta desde início do Real
Segundo o levantamento do IBGE, o grupo vestuário teve o maior aumento de preço no ano passado, na RMS, e a inflação mais alta para esse grupo desde a adoção do Real, em 1994 (22,39%).
“Embora não exerça tanto impacto no índice geral de inflação, por ter peso menor nas despesas das famílias, o grupo vestuário mostrou altas praticamente ininterruptas, na RMS, desde agosto de 2021”, explica a pesquisa.
O grupo ainda foi quem teve maior aumento em dezembro, marcando crescimento de 1,95%. Os preços voltaram a subir de forma significativa, após uma variação negativa em novembro (-0,01%)
Para o economista Antonio Carvalho, a retomada das festas populares e chegada do verão explicam o aumento dos preços no setor. “Salvador especificamente teve retorno do Festival da Virada e querendo ou não soteropolitano compra roupa para participar destas festas”, exemplifica.
Ele também considera a compra de roupas de banho, incluindo short de praia e camisetas, como alvo de grande demanda por conta da expectativa para a estação mais quente depois de dois anos de distanciamento social.
*Com a orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo