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Quem responde pelos eventos carnavalescos no MAM Bahia?

Ando vivendo dias leves e felizes, tô numa boa fase, tá tudo bem. A intenção, portanto, é continuar nesse bem-estar pelos próximos tempos, conectada a múltiplos prazeres e delícias, lidando com as agruras sem envolvimento demais. Ou seja, quero procurar problema? De jeito nenhum. Gostaria de me indispor com pessoas queridas? Longe de mim e nem vou. Mas há a vida e um assunto que passou por quase todas as mesas nas quais sentei, na última semana, em Salvador: quem responde pelos eventos carnavalescos no MAM Bahia? 

Tudo à boca pequena, claro, que nossa cidade é quase de interior no sentido de que todo mundo conhece todo mundo. As pessoas com quem conversei, por exemplo, são comprometidas até o pescoço. Eu mesma sou toda afetivamente envolvida com um bando de gente de entretenimento, cultura e arte. Sou amiga, conheço de vista ou já peguei parte dessa população, pelo menos da minha faixa etária. Aí, fica difícil falar de certas coisas tendo essa relação, sabendo da crise, da pandemia, da necessidade de trabalhar, e vendo pessoas pelas quais tenho, no mínimo, simpatia em vários pontos dessa cadeia de produção. 

Porém, perguntar não ofende e esse é o meu trabalho. Cada um faz o próprio, confere? Então, depois de ter sido convidada, por um amigo pagante (não foi pela produção) para o “Baile da Maga” – e recusar o convite – fui investigar umas coisas. Como é mesmo que pular Dandalunda (amo!), gritar Ê Faraô (adoro!) e todos os decibéis (bote mais alto que eu gosto!) envolvidos nisso, estariam convivendo, no mesmo espaço, com mais de mil peças de arte de diversas linguagens, suportes, tradições e lugares do mundo? Não tem problema não, gente? É mesmo? 

Isso porque, além do valor simbólico, são milhões de reais em obras de artistas como Tarsila do Amaral, Portinari e Di Cavalcanti, por exemplo. Também dos nossos Mário Cravo e Carybé, só para citar alguns nomes entre tantos outros de importância inegável. É parte relevante do nosso patrimônio cultural e tudo isso abrigado em um complexo arquitetônico do século XVII, onde o MAM-BA foi instalado, depois de uma grande reforma projetada pela genial Lina Bo Bardi, primeira diretora do museu. Bons tempos, aqueles. Inclusive, “saudades do que não vivi” (Júnior, Neymar). 

Sim, eu entendo o conceito de popularizar museus. Não sou tão ignorante assim, não. Até nem achei bom fechar o acesso à praia, ação que me pareceu gratuita, elitista e antipática. Mas isso é outro papo. Já fui assídua frequentadora da maravilhosa JAM no MAM, assim como dos mais diversos eventos em alguns museus no Brasil e exterior. Mas nunca, em nenhum deles, vi algo sequer parecido com Carnaval. Posso até estar numa postura ignorante e conservadora. Se for isso, me salvem, pelo amor de deus. Tragam exemplos. 

Não quero ser careta nem a única contra o Inhotim Fest, o Carna Louvre, quem sabe até a Lavagem da Pinacoteca, lá em São Paulo, se vierem a acontecer. Mas, olhe. Pelo comportamento associado a esse tipo de evento, pelo volume do som, pela quantidade de gente… naturalizar isso, nesses ambientes, é algo que deveria ser, no mínimo, muito bem estudado. Quem fala é uma foliã, me respeite. Entendo um pouco desse riscado. 

Em Salvador, tá tendo. O que me faz lembrar aquela frase de Otávio Mangabeira: “pense num absurdo, na Bahia há precedente”. Ou eu tô louca e estamos sendo apenas avant-garde. Porque, se essa moda pega aqui, é que há laudos técnicos dizendo que não há problema algum, que não prejudica nada, e que o tal Sollar Baía pode funcionar, tranquilamente, alugando o espaço para qualquer tipo de patuscada, toda semana. Até “paredão”, se for o caso. Quem há de julgar? 

Tem esses laudos, não tem? De profissionais sérias/os de cada área? Referentes aos prédios e a cada uma das mais de mil obras de arte? Não vai danificar nada? Podemos exportar a ideia? Tá tudo massa? Descobrimos um modelo incrível de evento? Não vamos ser achincalhados no mundo todo por sermos os únicos a fazer Carnaval em museu tombado? Quem pode me responder? 

Responder a mim não, mas à cidade. Ao estado da Bahia. À população. A todo mundo que anda se perguntando, entredentes, que diabeísso, se pode, se convém. E, se convém, se é a todas/os nós ou a quem. Minha pesquisa foi informal, não escrevi ofício algum.  Mas fiquei parecendo quando a gente quer cancelar contrato com operadora de celular ou tevê a cabo. Doida pra falar com uma pessoa humana, porém encaminhada, o tempo todo, para algo que nos escapa. No caso das operadoras, a virtualidade. Em nossa conversa aqui, siglas, secretarias, órgãos onde tudo se dilui e ninguém se acha. Perguntei por um nome, um CPF, e nada. 

Eu só queria saber quem vai segurar a galinha pulando se um prego daquele cair e espatifar a moldura e o vidro de uma obra caríssima, arranhando a zorra toda. Até pior, quando, pela força de uma onomatopeia da axé music, uma escultura fragilíssima decidir seguir a coreografia descendo até o chão e virando mil pedaços. Saberemos se isso acontecer? Já aconteceu? Acontecerá? E outra: aquele píer aguenta quantas pessoas pulando, com a cabeça cheia de cachaça, afinal? Rum, ai, ai. Há limites? Quais são os limites? Quem supervisiona, quem garante, quem faz cumprir? 

Quem liberou? Com que poder? Com que embasamento técnico? Com quais documentos amparando a decisão? Por que isso não é público? Por que parece tudo tão estranho e obscuro? Por que as pessoas ficam constrangidas ao falar no assunto? Não é o governo do estado, não é a diretoria do MAM, não é a coordenação de eventos do MAM que responde por essa programação, pelo que me contaram. Também fiquei sabendo que aquela área ali está terceirizada. Achei escândalo mundial.

Outra pessoa, me fazendo jurar sigilo,  soprou que essa empresa paga, pasme: cinco mil reais mensais pelo espaço. Cinco mil. Mensais! Ou seja, o Museu de Arte Moderna da Bahia (por extenso, sinta o peso) alugado a preço de banana para ser realugado sei lá por que valores. Pode ser fofoca? Até pode, mas sei nome e sobrenome das minhas fontes, só que não sei ainda quem é a pessoa que assume a responsabilidade sobre toda essa questão. Quem é? Como se chama? Qual é a formação? Cadê os benditos laudos? 

Pense numa pessoa querendo ser convencida de que está tudo bem. É esta cidadã que vos escreve. Vou adorar, se isso acontecer. Até vou ao próximo Carna MAM que ando bem querendo farra. Faço foto, me divirto, danço, posto, assumo que estava erradíssima na minha desconfiança, que é todo mundo gente boa e competente. De máscara e de boas, porque a questão não é moral. É ética, talvez estética, mas, principalmente, estrutural. Esta última palavra, em significado plural.

*Flavia Azevedo é articulista do Correio, editora e mãe de Leo

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