Que a passagem da rainha Elizabeth II por Salvador encantou muitos, já era de se imaginar. Mas talvez poucos saibam que a monarca do Reino Unido também se encantou por um baiano. Antes de começar a fazer sucesso na década de 70, Chocolate da Bahia já tocava um berimbau tão marcante, que rendeu um abraço da inglesa, no que ficou conhecido como “uma quebra de protocolo”, no Mercado Modelo. Ao menos é do que o cantor e compositor se lembra.
“Eu cantei uma música que fiz especialmente pra ela em uma roda de samba, e ela quebrou o protocolo. Nunca tinha se visto isso acontecer, uma rainha abraçar um tocador de berimbau. Eu era um galã, com 20 e poucos anos”, diz o artista, que hoje está no auge dos seus 80 anos.
Não só isso, mas Chocolate também se lembra de ter recebido um telegrama de agradecimento direto da Inglaterra, dias depois da volta da majestade real. “Eu tenho a impressão de que ela gostou de mim”, fortalece.
Na época vendedor de berimbaus no ponto turístico, Chocolate se recorda de algumas mudanças que foram feitas na cidade para receberem a rainha, como a retirada dos moradores de rua dos locais mais movimentados, e reformas pontuais em espaços públicos.
A historiadora Alessandra Cruz comenta que o momento histórico em que a visita ocorreu, em 1968, era do reinado da cultura popular em alguns espaços de conquista, em oposição ao que a visita de uma “majestade do colonialismo” na cidade, e no Mercado Modelo significava. “É interessante a gente pensar que o berimbau é o cetro das majestades africanas que lá estavam, e ela a majestade do colonialismo”, comenta.
Foi esbanjando o poder que Elizabeth passou pela cidade, entre navios e grandes carros, acompanhada do marido Príncipe Philip. “Ela fez o maior auê, porque era linda mesmo. Minha namorada da época até ficou com ciúmes, e eu expliquei que o abraço era por conta da homenagem”, brinca Chocolate.
Apesar de esse ter sido o único contato com a rainha, o artista conta ter ficado triste quando soube da notícia, revelada por um de seus netos. “Faz pena, porque tenho boas memórias”, finaliza.
Após deixar o Mercado Modelo, a corte partiu em direção a Ladeira da Conceição, novinha em folha com uma camada de asfalto passada no dia anterior.
Com bandeiras da Inglaterra, milhares de baianos se aglomeravam pelo caminho na tentativa de dar uma espiadinha no casal real.
Logo depois, a rainha reuniu-se com os ingleses residentes em Salvador na Igreja Anglicana, participou de uma solenidade no Palácio da Aclamação, presentes as autoridades do estado e 120 casais convidados, inclusive intelectuais e artistas como Jorge Amado e Carybé; visitou a Igreja de São Francisco e o Museu de Arte Sacra antes de embarcar de volta no Britânia, o navio real que a conduziria ao Rio de Janeiro, próxima parada em sua tour na terra de Pindorama.
Então, o navio cruzou o Farol da Barra, seguido de duas corvetas inglesas e muitos saveiros em solene procissão, o povo baiano da orla apreciando o cortejo.