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Samba triste: os desastres ambientais e o carnaval

“A tristeza é senhora desde que o samba é samba, é assim. A lágrima clara sobre a pele escura. A noite, a chuva que cai lá fora”, Caetano costuma dizer que essa música é uma homenagem ao samba e ao projeto de país.
 
Em um samba-emblema, que é uma benção, Vinícius de Moraes ensina que para fazer um samba com beleza “é preciso um bocado de tristeza, senão não se faz um samba não.

O que une essas notas poéticas no carnaval de 2023? 

É Carnaval, mas a tristeza de quem é alcançado pela ausência de políticas públicas é perene. Desde que o Brasil é Brasil, é assim.
 
Mas é culpa das chuvas? Não. É ausência do estado. É ausência de compromisso de quem lucra com a natureza. É a ausência de democracia na repartição dos lucros ambientais. É ditadura na repartição de prejuízos climáticos.
 
A lágrima clara sobre a pele escura é uma denúncia porque as chuvas derrubam, soterram e levam sempre os mesmos barracos.
 
A vulnerabilidade é escancarada, daí a última COP, conferência do clima, reclamar perdas e danos como medida de reparação para com quem mais sofre como afetados por eventos climáticos extremos: no mundo, os países do sul global. No Brasil, negros, indígenas, quilombolas, moradores de encostas e favelas. 

Ainda sem que fossem divulgadas as fotos das vítimas, é fácil imaginar sua identidade, já que as vítimas são sempre as mesmas. Essa tragédia do litoral de São Paulo mudará um pouco essa constatação, tendo em vista que além das vítimas tradicionais, turistas também foram afetados.
 

A culpa não é da natureza, ela apenas responde à maneira que é afetada. 

Foi assim com o terremoto que matou mais de 40 mil pessoas na Síria e na Turquia agora; foi assim em Petrópolis ano passado e sempre será. 

O dedo humano sobre a natureza é a denúncia do desenvolvimentismo sem preocupação com quem mais precisa. É, ainda, o reflexo da falta de medidas públicas e orçamento específico para a prevenção desses eventos.
 
É o primeiro Carnaval pós pandemia, mas ainda assim a contagiante euforia que a festa provoca não pode ser antídoto para visibilidade das ausências que o país enfrenta, especialmente advindas da necessidade de garantias mínimas como moradia digna, saúde de qualidade, transporte eficiente, água potável, sistema de esgoto nos padrões recomendados e o sorriso fácil de quem pode esquecer os problemas nas festas momescas.  

A tristeza cantada por Vinícius de Moraes é uma ressonância ao que cientistas vem entoando como samba de uma nota só: é preciso orçamento, transversalidade de políticas públicas e, sobretudo, diálogo permanente com a ciência.
 
Esta tragédia foi um ensaio, um prelúdio de uma tragédia anunciada pelos especialistas das mais diversas áreas (interdisciplinar como deve ser).
 
Enquanto não houver destaque para o trinômio ciência-orçamento-vontade política, o desfile apoteótico, em marcha fúnebre, receberá nota 10.

Diego Pereira  é procurador Federal (AGU). Autor de vidas interrompidas pelo Mar de Lama (Lumen Juris-2ª ed). Doutorando em Direito na UnB. Mestre em Direitos Humanos e Cidadania. Pesquisas desastres, barragens, mudanças e litígios climáticos, racismo ambiental e justiça climática.

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