Conflitos em casa, dificuldades para viver a própria sexualidade, ansiedade com o futuro e vulnerabilidade social. Esses poderiam ser apenas episódios comuns na vida de adolescentes e jovens, mas também podem ser indicativos de sofrimento psíquico. Foi pensando em atender a essas demandas que o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou a iniciativa Pode Falar, um canal de escuta virtual, saúde mental e bem-estar para o público de 13 a 24 anos.
A ampliação do canal foi anunciada este mês, com foco nos estados das regiões Nordeste e Norte. A meta do do Unicef é alcançar 100 mil adolescentes e jovens através da plataforma, além de treinar 500 profissionais em primeiros socorros emocionais. O atendimento deve oferecer acolhimento empático e sem julgamentos através do número de WhatsApp (61) 99660-8843 ou por meio do site www.podefalar.org.br, de forma anônima e gratuita.
Segundo a consultora de saúde mental do Unicef Marina Pereira, pesquisas do U-Report, que é o sistema de mensagens e coleta de dados da entidade, mostraram que havia uma demanda alta de cuidados por saúde mental entre jovens e adolescentes durante a pandemia da covid-19. Um dos levantamentos feitos por eles com 7,7 mil participantes mostrou que metade dos indivíduos sentiu necessidade de pedir ajuda sobre saúde mental. Além disso, praticamente o mesmo percentual não conhecia serviços ou profissionais focados no apoio a adolescentes.
Marina defende que esse tema seja tratado como prioridade, uma vez que é comum que sinais de adoecimento mental comecem a se manifestar na segunda década de vida, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
“A saúde mental é principalmente uma política intersetorial de promoção do bem-estar, onde o adoecimento é a exceção e não a regra. Mas, se nós não trabalhamos de forma intersetorial na promoção do bem-estar dessas crianças, adolescentes e jovens, eles só aparecem diante dos serviços quando adoecem mentalmente e causam danos a si próprios ou aos demais”, explica, em entrevista ao CORREIO.
Desde que foi lançado originalmente, em 2021, o Pode Falar já teve mais de 50 mil acessos. Atualmente, o atendimento humano está disponível de segunda a sábado, das 8h às 22h. Para acessar, basta clicar na aba Quero Falar. Além disso, é possível conferir materiais sobre saúde mental, bem como ler e deixar depoimentos.
Ainda segundo a consultora de saúde mental, há atendentes em todos os estados brasileiros. “O foco da iniciativa é na Amazônia Legal e no semiárido pelo fato de serem as áreas que concentram os municípios mais vulneráveis e com indicadores sociais mais baixos. É onde também se encontram as maiores violações de direitos contra crianças e adolescentes”, acrescenta.
Treinamento
Para capacitar 500 profissionais, estão sendo oferecidos cursos e treinamentos sobre saúde mental. Eles são destinados, prioritariamente, a pessoas que trabalham com assistência social, educação e saúde. “O intuito dessa estratégia é fortalecer a intersetorialidade e que a agenda de saúde mental seja incorporada nos diferentes serviços públicos ofertados e que estes possam alcançar e responder, em diferentes situações, às demandas de crianças e adolescentes”, acrescenta Marina.
Ao todo, o Unicef informou que deve promover a agenda de saúde mental em 2.023 municípios da Amazônia Legal e do semiárido até 2024 – desses, 236 ficam na Bahia. Há, ainda, uma campanha específica para as capitais da região, incluindo Salvador, com foco em prevenir e reduzir casos de violência contra crianças e adolescentes.
Uma das ações é um curso online de aperfeiçoamento em saúde mental e atenção psicossocial de adolescentes e jovens, ministrado em parceria com a Fiocruz. Gratuito, o treinamento tem carga horária de 180 horas e é destinado a todos os profissionais que lidam diretamente com adolescentes. Entre os temas abordados, estão transtornos mentais comuns na faixa etária, uso de drogas, prevenção ao suicídio e abordagem multidisciplinar.
Nessa fase de ampliação, o Unicef conta com apoio do grupo RD-RaiaDrogasil. Para a gerente de investimento social da empresa, Maria Izabel Toro, apoiar o Pode Falar se conecta com atuação na área de saúde mental. Segundo ela, o público jovem tem sido um dos prioritários.
“O investimento social privado, por meio da atuação das empresas, tem um papel importante, em parceria com o poder público e a sociedade civil organizada, no planejamento, articulação e desenvolvimento de ações relevantes para o bem-estar da sociedade e focadas em colaborar com o acesso a condições de vidas mais dignas”, afirma.