Nesse domingo, a Polícia Federal instaurou um inquérito policial para apurar a existência dos crimes de preconceito de raça ou cor durante os procedimentos a retirada compulsória de passageira Samantha Barbosa do Voo Gol 1575 na última sexta-feira(28), no Aeroporto Internacional de Salvador. A investigação foi instaurada na Superintendência Regional da Polícia Federal na Bahia que, em nota, afirmou que permanecerá em sigilo até a completa elucidação dos fatos.
De acordo com o advogado Fernando Santos, do escritório Ferreira, Santos e Borba, que representa a professora e pesquisadora Samantha Barbosa, à partir de agora, eles vão responsabilizar, em todas as esferas, todas as pessoas – física e jurídica – implicadas nas violências praticadas contra a professora que, sem explicação alguma, foi retirada de um voo comercial e, após ser conduzida para a repartição da PF, ainda precisou assinar um termo circunstanciado por desobediência, sem ter desobedecido nenhuma ordem legal.
“Samantha foi retirada por ordem do comandante Sérgio Pereira Gomes Benaglia, que alegou que ela estava perturbando a paz. No entanto, os passageiros testemunharam que a professora já estava sentada e acomodada há mais de uma hora, que, em momento algum, ela elevou a voz, apenas questionou a razão de ter seu direito constitucional de ir e vir tolhido”, explicou Santos. O advogado fez questão de pontuar que em situações como essa, a Polícia Federal precisa informar a razão do descumprimento de um direito constitucional, o que não foi feito.
Violências
“Samantha sofreu violência duas vezes. Não bastasse o horror de ter sido expulsa de um voo e conduzida de forma coercitiva, ainda vai responder processo por algo que não fez. Por isso, vamos responsabilizar a todos os envolvidos, especialmente porque a Lei nº 4898/65, que define os crimes de abuso de autoridade não pode se tornar letra morta. Não existe investigação sendo feita por isso”, denunciou Santos.
O advogado fez questão de pontuar que Samantha esteve muito abalada e que, só nesse domingo, conseguiu expressar alguma segurança diante de toda a situação. A única contrapartida dada pela companhia aérea foi, após a saída da PF, a pesquisadora ter sido conduzida a um outro voo da empresa, quando o procedimento padrão nesses casos é que o passageiro seja impedido de realizar embarques.
O caso de Samantha ganhou repercussão nas redes sociais e na grande mídia, inclusive foi tema de reportagem do Jornal Nacional (Globo) exibido no sábado,29, após a jornalista Elaine Hazin, que estava no voo, gravar e divulgar um vídeo com a retirada da professora. O material foi repostado por diversas pessoas, inclusive, o também jornalista Manoel Soares, e viralizou com a cobrança de uma resposta da empresa aérea.
Em enviada ao CORREIO, a Gol informou que, “durante o embarque do voo G3 1575 (Salvador – Congonhas), havia uma grande quantidade de bagagens para serem acomodadas a bordo e muitos clientes colaboraram despachando volumes gratuitamente. Mesmo com todas as alternativas apresentadas pela tripulação, uma cliente não aceitou a colocação da sua bagagem nos locais corretos e seguros destinados às malas e, por medida de segurança operacional, não pôde seguir no voo”.
No texto, a empresa aérea lamenta os transtornos causados ao clientes e diz que “as acomodações das bagagens devem seguir as regras e procedimentos estabelecidos, sem exceções”. A Companhia informou ainda que segue apurando “cuidadosamente os detalhes” do caso.
Após o envio da nota, a assessoria de imprensa da companhia informou à reportagem que a passageira acomodou sua bagagem em local que obstruía a passagem, oferecendo risco a segurança do voo.
“A tripulação da gol ofereceu para a cliente o despacho gratuito da bagagem e, ao ser informada que havia um computador na mochila, orientou que o device poderia ser retirado, caso a passageira concordasse com o despache da mala. Por fim, ainda foi sugerida a troca de assento para um outro onde seria possível a acomodação da bagagem”, informou.
Ainda de acordo com a assessoria, a Companhia informou que, com a impossibilidade de chegar a um acordo e a necessidade de se reestabelecer a ordem, fez com que a Polícia Federal fosse acionada.
Atrasos
Na verdade, segundo a própria Elaine Hazin, antes da chegada de Samantha, o voo estava atrasado mais de uma hora, sem que nenhuma satisfação fosse apresentada aos passageiros. “Samantha estava sentada duas poltronas na minha frente e, após ela pedir ajuda a tripulação, um senhor retirou a bagagem dele e deixou que ela acomodasse o computador dela, calmamente, sem confusão alguma”, contou.
Elaine lembrou ainda que, quando ela estava entrando no avião, uma passageira branca estava com três bagagens de mão e que ela acomodou todas no compartimento interno, sem que nada fosse feito.
“Um dos membros da tripulação até pediu que ela colocasse a bagagem em baixo do acento, mas ela ignorou e prosseguiu. A única que foi aviltada pela tripulação foi justamente uma mulher negra”, ironiza Elaine, ressaltando que eles disseram que se ela não despachasse a mochila, o avião não decolaria.
“Estávamos todos exaustos no voo, pois o ar condicionado estava desligado, havia uma senhora com pânico evidente. Até minha irmã teve uma queda de pressão durante a espera para decolar, que ocorreu muito antes da entrada da Polícia Federal”, esclareceu.
Bomba
Elaine lembrou que, enquanto aguardavam, houve rumor de uma ameaça de bomba na aeronave. “Os agentes da PF entraram no voo com uniformes que mostravam se tratar de um esquadrão anti-bombas, mas de todos os passageiros, justamente Samantha foi a única convidada a sair”, pontuou.
A jornalista recorda que no momento em que Samantha pediu explicações sobre a retirada dela, outros passageiros disseram que aquilo era absurdo e que era racismo. “Alguns passageiros, inclusive eu, tentei acompanhar para não deixa-la sozinha, mas um dos agentes, o mais ríspido de todos, disse que me conduziria presa se eu acompanhasse. Foi muito intimidador”, rememora.
Aos passageiros, os agentes da PF disseram apenas que aquele procedimento era ordem do comandante e que não diriam nada. Elaine Hazin disse que só conseguiu respirar aliviada após a garantia, dada pelo colega Manoel Soares, que Samantha estava acompanhada de um advogado e que a mãe da professora foi avisada do que estava acontecendo. “Fico imaginando o que teria ocorrido, se não conseguíssemos mobilizar tanta gente. Essa é uma situação absurda”, finaliza.
Nesse domingo, o próprio ministro da Justiça e Segurança Pública Flávio Dino postou no Twitter que a PF investigaria as denúncias.