Um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que, entre 2018 e 2020, foram detectados oito acessos irregulares feitos por servidores da Receita Federal a dados sigilosos de contribuintes, dos quais seis foram classificados como envolvendo “pessoas politicamente expostas”.
O documento, ao qual o portal Valor Econômico teve acesso, veio à tona em meio às denúncias de que o ex-chefe de inteligência do órgão durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), Ricardo Pereira Feitosa, teria acessado e copiado ilegalmente dados sensíveis de adversários do ex-presidente.
O Metrópoles apurou nos bastidores que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), deve demitir o auditor fiscal, caso o suposto vazamento de dados seja confirmado.
Acesso indevidoA auditoria do TCU, concluída no fim do ano passado, aponta brechas no sistema eletrônico da Receita Federal que permitiriam o acesso ilícito de informações sigilosas dos contribuintes por parte dos servidores. Diante das falhas de segurança, o tribunal estabeleceu um prazo de 120 dias — ou seja, até o fim do próximo mês de abril —, para o aprimoramento dos mecanismos.
Segundo o tribunal, a Receita alega ter instaurado processos administrativos para apuração dos fatos, dos quais quatro foram concluídos com a responsabilização dos servidores e a aplicação de penalidades. O órgão, no entanto, não detalha o teor dessas punições, os contribuintes envolvidos, tampouco os funcionários penalizados.
Por outro lado, o ministro Bruno Dantas, responsável pela análise do processo, indica a ausência de mecanismos para impedir acessos indevidos em razão da atual estrutura do órgão fiscal. Segundo a receita, uma eventual implementação de travas automáticas para impedir o acesso de servidores ao sistemas comprometeria a atuação do órgão, uma vez que imporia dificuldades a outros processos de trabalho.
“Eventuais limitações de sistema não devem servir como justificativa para não implementar controles necessários ao cumprimento de dever legal de resguardo do sigilo fiscal, de qualquer cidadão que seja”, escreveu o ministro-relator no voto. “É dizer, o sistema deve se amoldar ao cumprimento do dispositivo legal, e não o contrário.”
Vazamento de dadosEm relação ao caso específico do auditor Ricardo Pereira Feitosa, o Ministério Público junto ao TCU solicitou a abertura de um processo para investigar eventuais irregularidades na atuação do ex-chefe de inteligência do Fisco, nessa quarta-feira (1º/3).
Na representação, o procurador Lucas Furtado pede que o tribunal tenha acesso e acompanhe o desfecho do processo administrativo contra Feitosa na Receita Federal e investigue possíveis desvios de finalidade do ex-coordenador-geral.
O tribunal também deve apurar se a atuação ilegítima de Feitosa teve conivência ou omissão do alto comando do órgão na época do ação, ou seja, em 2019 e anos seguintes. Além de investigar se o corregedor da Receita Federal sofreu algum tipo de pressão interna para arquivar o procedimento disciplinar em favor do ex-funcionário.
Entenda o casoO corregedor da Receita Federal, João José Tafner, declarou que sofreu pressão do antigo comando do Fisco para arquivar o processo disciplinar aberto contra o servidor do órgão que acessou sem justificativa legal dados fiscais sob sigilo de desafetos da família Bolsonaro. As informações são do jornal Folha de São Paulo.
A reportagem aponta que a declaração ocorreu internamente na Receita Federal e, logo em seguida, uma investigação foi implementada pela Corregedoria do Ministério da Fazenda.
Entre os dados obtidos por Feitosa estariam as declarações completas do Imposto de Renda do Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro Eduardo Gussem, responsável pela investigação do esquema conhecido como “rachadinhas” no gabinete do agora senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Além disso, Feitosa teria acessado os dados de dois políticos que haviam rompido com membros da família Bolsonaro: o empresário Paulo Marinho e o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno. O acesso às informações sigilosas teriam ocorrido em 10, 16 e 18 de julho de 2019.
Documentos internos obtidos pela Folha apontam que Tafner acusou o então secretário da Receita Federal, Julio Cesar Vieira Gomes, e o então subsecretário-geral, José de Assis Ferraz Neto, de pressioná-lo a arquivar o caso contra Feitosa, e não punir o servidor.
Segundo a reportagem, não havia investigações formais contra essas pessoas que justificassem os acessos aos dados sigilosos. Com o fim da gestão Bolsonaro, Vieira Gomes e Ferraz Neto deixaram os cargos em dezembro.