Em menos de uma semana, a relação institucional entre o Brasil e o Telegram, um dos aplicativos de mensagem mais populares no país, teve mudanças bastante substanciais.
- STF revoga bloqueio do Telegram após aplicativo atender às exigências da Justiça
Na quinta-feira (17/03), uma ordem judicial do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes funcionou como um ultimato para a companhia, que evitou por vários meses qualquer tipo de contato com entidades do Judiciário brasileiro.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), responsável pela condução das eleições brasileiras, pediu por meses colaboração do Telegram para combater a propagação de fake news em canais de conteúdo político.
O Ministério Público Federal, que atua sobre crimes cometidos na internet, queria discutir por sua vez mecanismos contra delitos como pornografia infantil e venda de armas dentro da plataforma.
Cartas judiciais foram ignoradas. Uma correspondência enviada para a sede da empresa em Dubai chegou a ser devolvida para o TSE.
Alexandre de Moraes determinou, então, a pedido da Polícia Federal, que a operação do Telegram fosse suspensa no Brasil sob a justificativa de que a companhia não respeitava medidas judiciais.
Horas depois da divulgação da decisão do ministro do Supremo, na sexta (18/03), o diretor-executivo da companhia, o russo Pavel Durov, divulgava um pedido de desculpas e começava a cumprir as ordens estabelecidas por Moraes.
No domingo, o ministro revogou a ordem de bloqueio e permitiu o funcionamento do aplicativo. Veja abaixo quais foram as medidas estabelecidas por Moraes que foram atendidas pelo Telegram:
Um representante no Brasil
A companhia nomeou o advogado Alan Campos Elias Thomaz, da Campos Thomaz & Meirelles Advogados, como figura legal no país. No currículo divulgado no site da firma, Thomaz apresenta especializações em lei digital, privacidade e proteção de dados.
Na resposta ao STF, o Telegram diz que “Alan tem experiência anterior em funções semelhantes, além de experiência em direito e tecnologia, e acreditamos que ele seria uma boa opção para essa posição enquanto continuamos construindo e reforçando nossa equipe brasileira. Alan Campos
Elias Thomaz tem acesso direto à nossa alta administração, o que garantirá nossa capacidade de responder as solicitações urgentes do Tribunal e de outros órgãos relevantes no Brasil em tempo hábil”.
Heloisa Massaro, diretora do InternetLab, um centro de pesquisa brasileiro sobre direito e tecnologia, diz que “a indicação de um representante é um sinal dado pela empresa de que ela está disposta a pelo menos iniciar um diálogo com autoridades, um canal principalmente no âmbito judicial”.
“Isso tudo é diferente de ter uma política dentro da empresa para buscar entender como o aplicativo é usado no país, desenvolver políticas para isso e abrir um diálogo com a sociedade civil”, afirma Massaro. “De qualquer forma, a concretização desse canal de diálogo vai nos permitir entender como será a postura da plataforma.”
À BBC News Brasil, a firma disse: “Informamos que o escritório Campos Thomaz Advogados não comenta os casos envolvendo os seus clientes, incluindo o Telegram”.
O escritório Araripe & Associados, com sede no Rio de Janeiro, já fazia representação do Telegram há sete anos.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, documentos davam poder ao escritório para “obter e defender direitos relativos a propriedade industrial”. A atuação, disse a firma, é exclusivamente em assunto de propriedade intelectual.
Medidas para combater desinformação
Monitoramento: o Telegram prometeu monitorar os 100 canais mais populares no Brasil.
A plataforma tem uma característica particular de dar espaço para a criação de canais com até 200 mil usuários, abertos a participação, e listas de transmissão sem limite de número de usuários em que apenas o criador desses espaços faz divulgações e anúncios. O WhatsApp, por exemplo, decidiu criar limitações para essas modalidades diante das críticas sobre a propagação de fake news na plataforma.
O Telegram disse ao STF que “como esses 100 principais canais respondem por mais de 95% de todas as visualizações de mensagens públicas do Telegram no Brasil, acreditamos que essa medida será impactante, pois nos permite identificar informações perigosas e deliberadamente falsas no Telegram com mais eficiência”.
Alertas em outros sites: a empresa declarou que sua equipe foi instruída para acompanhar posts do Twitter e de outras redes sociais sobre conteúdo dentro do Telegram potencialmente problemático. Haverá “resumos diários” para ajudar na moderação de conteúdo.
“Acreditamos que se tivéssemos monitorado a mídia no Brasil antes, a crise atual poderia ter sido evitada”, diz a carta ao STF.
“Isso é um primeiro sinal de que a plataforma está disposta a cooperar”, afirma Massaro, do InternetLab.
“Agora, é uma escolha do Telegram não ter desenvolvido grandes estruturas de moderação de conteúdo como outras plataformas. Não existe atualmente transparência sobre isso. Não há uma política robusta, organizada e completamente clara sobre a identificação dos conteúdos. A atual manifestação do Telegram foi uma resposta a uma ordem judicial. Vamos ver daqui para frente a implementação dessas políticas”, analisa.
Postagens marcadas: “Nas últimas 24 horas, integramos meios técnicos para marcar postagens específicas em canais um-para-muitos [listas de transmissão] como potencialmente contendo informações imprecisas. Esses avisos agora podem ser adicionados ao final de qualquer mensagem no Telegram e também permanecerão visíveis quando essas mensagens forem encaminhadas do canal para bate-papos privados ou em grupo”, detalha a plataforma.
Parceria com agências de checagem: a empresa diz que está “estabelecendo relações de trabalho com importantes organizações de checagem de fatos no Brasil, como Agência Lupa, Aos Fatos, Boatos.org e outras”. O trabalho dessas agências será usado no trabalho de marcação de postagens com potencial de desinformação descrito acima.
Uma das agências afirmou à BBC News Brasil que o Telegram fez um contato inicial para ter detalhes de como é feito o trabalho de checagem e se há interesse da agência em participar de um programa para combate à desinformação.
Restrição de usuários banidos: a companhia afirmou que criou uma solução técnica para restringir permanentemente atores envolvidos na disseminação de desinformação. Essa foi uma das principais questões que levaram à determinação de Alexandre de Moraes de bloquear o aplicativo no Brasil.
O ministro do STF havia pedido o bloqueio de perfis ligados ao blogueiro Allan dos Santos, atualmente foragido nos EUA, e informações sobre monetização e doações aos seus canais. Parte do pedido foi atendido em fevereiro, mas Moraes sustentou que o Telegram não tomou providências quanto a criação de perfis substitutos por Allan dos Santos.
Promoção de informações verificadas: haverá destaque, segundo o Telegram, para informações verificadas dentro da plataforma.
A companhia diz que elas “podem potencialmente salvar vidas e melhorar a saúde pública, como fatos confiáveis relacionados ao Covid 19” e que “estamos explorando as parcerias certas para executar essa habilidade”.
O Telegram disse também que atualizará os termos de serviço para refletir essas medidas e que fará uma análise das leis aplicáveis no Brasil para adotar melhores práticas de moderação de conteúdo.
Remoção de conteúdo e de perfil
O Telegram removeu os links no canal oficial do presidente Jair Bolsonaro (PL) que permitem baixar documentos de um inquérito sigiloso e não concluído da Polícia Federal.
Essa investigação da PF diz respeito à invasão do sistema do Tribunal Superior Eleitoral. Não há evidências de que houve comprometimento as urnas eletrônicas, como sustenta Bolsonaro.
Em seu mandato, o presidente, sem apresentar provas coloca em dúvida as seguranças das urnas e faz defesa do voto impresso nas eleições presidenciais deste ano.
Foi também bloqueado, como determinado, o canal do jornalista Cláudio Lessa, que é servidor da Câmara dos Deputados e fazia em seus canais elogios ao presidente e divulgava ataques a opositores da base bolsonarista.
Ele chegou a ser processado pelo Governo da Bahia durante a pandemia por mostrar imagens de hospitais superlotados, atribuindo à rede pública baiana, sendo que eram de Alagoas.
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