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‘Tive medo de morrer’, diz empregada doméstica vítima de violência no Rio Vermelho

A empregada doméstica Gleide das Graças Idalan de Jesus, de 53 anos, relata ter vivido momentos de terror no apartamento da patroa, localizado no Rio Vermelho, na última sexta-feira (17). Por ter faltado ao trabalho no dia anterior, a funcionária conta ter sofrido agressões físicas e verbais, além de ter sido ameaçada de morte pela advogada Mary Wichs Cabus, que nega as acusações. Na terça-feira (21), o Ministério Público do Trabalho (MPT-BA) instaurou inquérito civil para apurar as denúncias. 

Quando Gleide das Graças chegou ao apartamento na manhã da sexta-feira (17) levou um susto. Haviam dezenas de talheres sujos espalhados pelo chão, um copo quebrado em um dos quartos e muitos objetos fora do lugar. A empregada doméstica, que há três anos trabalha no local, também foi surpreendida pela forma com que foi tratada pela advogada. 

“Quando eu fui explicar porque não tinha ido trabalhar no dia anterior, ela começou a gritar e disse que não queria saber dos meus problemas”, relata a funcionária.

Na quinta-feira (16), ela levou sua companheira ao médico e precisou se ausentar. Por isso, a patroa decidiu que iria descontar R$200 do seu salário – composto por um mínimo e um acréscimo de R$200. Apesar de ter sido recebido com gritos, Gleide das Graças realizou as tarefas da casa, mas a situação ficou mais tensa com o passar das horas. 

Depois de já ter mandado a funcionária recolher as fezes do cachorro de estimação, Mary Wichs ordenou que Gleide das Graças limpasse todos os móveis do apartamento de três quartos e quatro banheiros. “Eu disse que estava sentindo muitas dores e que não tinha condições de fazer. Aí ela começou a me xingar e eu pedindo para ela parar”, relata a funcionária. Logo depois, a advogada teria partido para a agressão física enquanto as duas estavam na varanda do apartamento

“Ela jogou óleo de peroba no meu rosto e eu comecei a me afastar. Corri para a cozinha, ela entrou também e trancou a porta. Aí começaram as agressões de murro e eu só segurei ela para me defender”, conta.

Foi quando a patroa teria quebrado o óculos da funcionária e jogado seu celular no chão. Ambos objetos passam por perícia. Gleide diz ainda que foi ameaçada de morte pela advogada e que precisou se trancar no banheiro para se proteger. Quando enfim conseguiu despistar a patroa, a funcionária pediu socorro aos vizinhos, que indicaram que ela fosse à polícia.

No mesmo dia, ela prestou queixa na 7º Delegacia Territorial. Logo após dar seu depoimento, Gleide conta que foi procurada por uma pessoa próxima à família, que ofereceu dinheiro para que ela não desse continuidade ao processo. “Ela disse que era para eu voltar ao apartamento que eles iriam pagar o que me devem e um dinheiro a mais, mas eu não aceitei. Quero justiça por tudo que fizeram comigo”, afirma. 

Esse teria sido o primeiro episódio de violência físca, porém, as agressões verbais e humilhações eram frequentes dentro do apartamento. “Ela já tinha me xingado antes, me chamado de ‘empregadinha’, mas eu sempre deixei para lá porque precisava do emprego”, revela a trabalhadora doméstica. 

Gleide das Graças mora em uma casa simples no bairro do Uruguai e acumula dívidas de cerca de R$3 mil. Além disso, tem dificuldades para arcar com os custos dos remédios para a diabetes e hipertensão. Sua maior preocupação depois de ter sido vítima de violência é como vai pagar o que deve. 

“Eu preciso do meu trabalho, hoje eu só consegui comer porque minha irmã depositou dinheiro. Estou cheia de conta para pagar e não estou nem com meu celular para as pessoas me ligarem para fazer faxina”, desabafa com lágrimas nos olhos.

A família, que passa por dificuldades, pede doações através da chave Pix (71) 987219557, no nome de Gleide das Graças. O dinheiro deverá ser usado para comprar um novo óculos para a trabalhadora e cestas básicas. 

Não são apenas as marcas da violência que acompanham Gleide após o ocorrido. Há três dias ela não se alimenta e nem dorme normalmente. “Ela está muito abalada com tudo que aconteceu. Depois das agressões tivemos que levar ela no hospital porque a pressão subiu muito”, conta a filha, Tamiles de Jesus, 30. 

Resquícios da memória escravista do Brasil – o último país a abolir a escravidão no continente americano – relatos de violência de patrões contra empregadas domésticas são comuns mesmo com avanços legais. Enquanto Gleide das Graças conta os abusos sofridos, sua irmã de consideração, Mariluia Sousa Santos, 35, se emociona no lado oposto da pequena sala de estar. Ela própria foi vítima de violência durante anos e nunca teve coragem e nem apoio para denunciar.

“Eu comecei a ser doméstica muito nova, com 20 anos, e sofri muito. Não tenho dentes na boca hoje porque as patroas davam murro na minha boca”, relembra emocionada a aposentada. Para ela, acompanhar o sofrimento de Gleide é como enfrentar a violência mais uma vez.

Irregularidades
Além de todas as agressões que conta ter relevado por medo de perder o emprego, a relação entre a patroa e funcionária era marcada por irregularidades, apesar de a dona do apartamento ser advogada. Desde janeiro, Gleide das Graças trabalha sem ter a carteira assinada e diz que nunca teve direito a férias nos três anos de trabalho. A empregada doméstica conseguiu tirar seis dias de folga no Carnaval, mas só porque a patroa viajou. 

Márcio Tinoco, advogado que representa a vítima, analisa que havia entre elas uma relação de trabalho “viciada”, em que os direitos da funcionária eram constantemente deixados de lado. “Pelo relato da senhora Gleide, já houve assédio moral e psicológico, agressões físicas, danos morais e imateriais no ambiente de trabalho. É o que chamamos de danos extrapatrimoniais. Além de buscarmos as verbas rescisórias, vamos buscar o dano extrapatrimonial”, afirma o advogado. 

Mary Wichs Cabus foi procurada através do seu celular pessoal, mas não retornou as ligações e nem indicou o contato de defesa. No depoimento prestado na segunda-feira (21), o qual o CORREIO teve acesso, a advogado afirma que nunca agrediu a funcionária e diz que Gleide das Graças “surtou” depois que foi questionada pelas seis vezes que teria faltado ao trabalho.

A Polícia Civil informou que registrou a ocorrência de relatos de ameaças e agressões sofridas pela trabalhadora doméstica na 7º Delegacia/Rio Vermelho e que expediu as guias para os exames periciais. A polícia também vai apurar as denúncias realizadas pela funcionária. O Ministério Público do Trabalho também instaurou inquérito civil para apurar as denúncias.

Relembre outros casos de violência contra trabalhadoras domésticas

Março de 2021: Madalena Santiago da Silva, 62, foi vítima de trabalho análogo à escravidão durante 54 anos em uma casa em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. Além de ter sofrido maus-tratos durante anos, nunca recebeu salário. Após ter sido resgatada pelo Ministério Público Trabalho (MPT), Madalena revelou que teve R$20 mil referentes a sua aposentadoria roubados pela família. A Justiça do Trabalho bloqueou R$1 milhão de bens dos envolvidos nos crimes. 

Agosto de 2021: A babá Raiana Ribeiro da Silva, 27, pulou do 3º andar de um prédio no Imbuí, após ser mantida em cárcere privado pela patroa, Melina Esteves França. Durante o período que trabalhou no apartamento, Raiana foi vítima de violência física e moral. Depois que as denúncias vieram a público, outras 12 mulheres denunciaram Melina Esteves por agressão. A Justiça decidiu que a mulher deve R$80 mil por danos morais coletivos até dezembro de 2024.

Série de reportagens do CORREIO abordou o tema

Durante a pandemia, o CORREIO realizou uma série de reportagens que revelaram ameaças sofridas por trabalhadoras domésticas em Salvador. Elas foram proibidas de deixarem as residências dos patrões, que temiam serem contaminados pela covid-19. Por medo de serem demitidas, as mulheres eram obrigadas a deixarem suas casas enquanto a pandemia durasse. As tiras de quadrinhos de Leandro de Assis, publicadas em uma rede social, serviram de inspiração para as reportagens do jornal.

*Com orientação de Fernanda Varela.

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