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Tudo somente agora: os conflitos geracionais em torno do grande vencedor do Oscar

Foto: Reprodução

Um amigo escritor e resenhista de ficções nas redes, Breno Fernandes, me disse que Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo é o primeiro grande filme com uma estética de TikTok. É como se cada multiverso em que a protagonista se insere na trama fosse mais um vídeo no feed, tal como nós baixando a barra de rolagem sem perceber, entrando em mais um assunto, em mais outro, em mais outro… Temos todos nós agora nosso próprio modo de infinito, em que podemos para sempre passar de um vídeo até o próximo, entre o humor, a ação, o diálogo de família e o puro suco de entretenimento.  

Fui então perguntar sobre o filme aos maiores consumidores de TikTok que eu conheço: alguns alunos adolescentes. “Achei muito lento!”, disse um deles, e diante de meu espanto em imaginar qualquer classificação para o maior ganhador de Oscars de 2023 menos o de lento, a pessoa remendou: “OK, agitado em algumas partes, mas confuso, e devagar em outras, sem que a gente entenda nada”. Revelei para os estudantes que nós, figurões, os “tios” cinéfilos, achávamos que era um filme ideal para a percepção acelerada que eles acostumaram a ter. Errado. Porque Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo é também sobre este ponto: conflito de gerações. 

Veja o trailer de Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo:

Na narrativa, Evelyn Wang, uma imigrante chinesa nos EUA, dona de uma lavanderia à beira da falência, está numa “tempestade perfeita”: não consegue fazer um balancete dos seus negócios a fim de vencer a hipoteca, despreza o comportamento de seu marido, vendo o divórcio como eminente e sofre de um impasse sobre visões de mundo com sua própria filha. Ou se trata só de mais um dia no Universo Adulto? Então se criam as realidades paralelas, em que Evelyn irá parar em várias outras possibilidades de vida que ela não viveu. Não precisa entender de física contemporânea, basta passar um dia no tabelionato ou no supermercado às 18h para verem os multiversos se multiplicarem em nossa cabeça. As outras vidas fantásticas, as outras que não vivemos e ainda assim são nossas formam também uma base de sobrevivência. 

Nos mundos paralelos em que Evelyn é jogada, tendo como anfitrião o seu marido em uma versão bem mais firme e sedutora, ela descobre que a sua grande arquirrival é a filha, Joy. Em vez de ser a garota carente de atenção da mãe, Joy é uma espécie de Coringa em O Cavaleiro das Trevas: irônica, cínica e indestrutível. Mas o seu grande objetivo não é somente o caos, é conseguir uma única companhia que entenda junto com ela que tudo é um caos. Ou melhor, que entre todas as realidades paralelas, em todas as vidas possíveis, nenhuma é realmente necessária e, por isto, não há nada significativo por si mesmo, não há nenhum ritual a ser respeitado, não existe o que de fato represente um valor duradouro… Evelyn então descobre que a sua missão não é a que lhe foi atribuída, pois não deseja derrotar sua rival. Agora ela quer salvar a filha “do outro mundo” de sua visão corrosiva, em que todos os nossos esforços supostamente nos levariam a nada.  

Não são estes os receios gerais, o de que tantos estímulos e o de que tamanha aceleração nos levem a uma multiplicação de possibilidades que termina tão-somente em um grande vazio? No final das contas e do feed, “nada importa”? No meio do cansaço adulto, talvez uma energia extra advenha do impulso em evitar que os mais novos passem a crer que a realidade não vale a pena e que as relações não são verdadeiras. O cansaço precisa vencer o esgotamento, porque a vida cansa, mas sua ausência de sentido só pode consumir todas as energias. 

Evelyn consegue resgatar Joy (esta “alegria” que teima em não se tornar “felicidade”) da sensação de fatalismo? Não com todo o seu arsenal de multiversos. É preciso usar a mesma fórmula contra a suposta adversária: “nada importa”. Sim, nada importa, e por isto ainda é possível e sempre criar tudo.  

*Saulo Dourado é escritor de livros de ficção e professor de filosofia em colégios de Salvador
As opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores.

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