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Uma crônica antiga

Nós íamos muito ao circo em um tempo de cruel ingenuidade. Os elefantes, tão bonitos, erguiam-se enormes, disparando jatos de água sobre a plateia, e os leões circulavam, sob o olhar atento dos domadores, rentes às cadeiras de ferro. Eu ficava fascinada com o Globo da Morte, onde as motocicletas giravam ferozes. Sentávamo-nos nas primeiras fileiras e essa era uma das poucas ocasiões em que eu via um sorriso surgir no rosto de minha mãe. Ela ria dos palhaços que simulavam atrapalhações no picadeiro e dos poodles que dançavam ao som da Macarena, saltando sobre tamboretes.

Eu ficava bem feliz ao ver minha mãe se divertindo, evento tão raro quanto um eclipse ou a passagem de um cometa, e esse era para mim o principal atrativo da ida ao circo. Sob a lona colorida, minha mãe ria do mágico de fraque preto surrado que sacava um coelho branco da cartola. Minha mãe ria da mulher cortada ao meio em duas com um serrote, que reaparecia “de surpresa” do outro lado do palco. Minha mãe ria do gorila fake que ameaçava arrebentar as grades da jaula e avançar sobre nós.

Covarde por natureza, eu fingia coragem, observando com dissimulada alegria os cavalos que trotavam como se estivessem livres, ignorando o arreio apertado e o estímulo dos chicotes. A poeira subia de suas patas seladas, feito fumaça, em curtos galopes, enchendo as dobras de nossas roupas de domingos de areia, cujos vestígios minha mãe expurgaria nos dias seguintes, esfregando e torcendo as peças, com seus dedos muito brancos e finos, numa bacia com água e sabão.

Após o espetáculo, voltávamos para o longe de nossa casinha simples em ônibus lotados, a minha mão pequena entre as da minha mãe, apertando com força e medo de perder, tagarelando em voz alta sobre os detalhes daquela experiência, como se não estivéssemos todas juntas, minutos antes, vendo as mesmas cenas. Eu não alcançava a dimensão do sofrimento naquele universo de animais, falseando truques dóceis para nossa diversão. Nós, os sonsos algozes do que pulsa em toda parte.

Para mim, o circo trazia consigo humores e luzes de outras civilizações. E eu pensava apenas em ver de perto os animais, que da TV, esse outro tipo de jaula, saltavam para dentro dos meus sonhos como assombrações. Ver o leão, o elefante, os macacos, os cachorros dançantes. Tudo era revestido de uma magia inocente que se assemelha ao autoengano que esmaga a racionalidade em certas paixões. A sensação angustiante de que estamos presos por vontade aos domadores.

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