A baixa ocorrência de doença de Chagas entre povos indígenas da Amazônia pode ter uma explicação genética, aponta estudo publicado na revista Science Advances. Segundo o trabalho científico, uma variante genética, presente na maioria dos indivíduos analisados na região, tem importante papel na resistência à infecção pelo parasita causador da doença.
A doença de Chagas é transmitida por um inseto – um percevejo popularmente conhecido como barbeiro ou chupão. Assim que o barbeiro termina de se alimentar, ele defeca, eliminando os protozoários e colocando-os em contato com a ferida e a pele da vítima, transmitindo o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. A doença pode ocasionar problemas cardíacos, digestivos ou neurológicos.
O estudo analisou mais de 600 mil marcadores do genoma de 118 pessoas de 19 populações indígenas, que representam a maior parte do território da Amazônia, tanto no Brasil como nos outros países da América do Sul que abrigam a floresta.
A pesquisadora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP) Kelly Nunes explica como ocorreu a adaptação dos indígenas. “O continente americano foi o último ocupado pelos humanos modernos e tem uma grande variedade de ambientes. Isso certamente causou uma pressão seletiva sobre esses povos e induziu adaptações, como essa que estamos vendo agora”, destaca Kelly Nunes, que divide a primeira autoria do estudo com Cainã Couto Silva, doutorando na área de genética e biologia evolutiva pelo Instituto de Biociências da USP.
Com variadas técnicas, os pesquisadores encontraram diferenças em genes envolvidos no metabolismo, no sistema imune e na resistência à infecção por parasitas como o Trypanosoma cruzi, causador da doença de Chagas. Uma das variantes mais frequentes, presente no gene conhecido pela sigla PPP3CA, ocorre em 80% dos indivíduos analisados.
A variante também está presente em outras populações, porém, numa frequência bem menor: 10% na Europa e 59% na África.
Maior diversidade“Ao analisarmos as regiões endêmicas da doença na América do Sul, a área das populações analisadas é justamente onde a doença menos ocorre. Isso poderia se dar por uma baixa frequência do barbeiro, mas não é o caso, pois é onde ele tem a maior diversidade”, conta Tábita Hünemeier, professora do IB-USP que coordenou o estudo.
Segundo Tábita, ainda não é possível afirmar que existe adaptação genética dos indígenas a outras doenças endêmicas da Floresta Amazônica. “Especificamente para a reação ao protozoário e o que foi testado, também em nível celular, foi a infecção por tripanossomo, então a gente não consegue extrapolar para outras doenças, não da maneira que esse estudo foi desenhado”, esclarece.
O trabalho integra o projeto Diversidade Genômica dos Nativos Americanos, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).