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Vínculos siameses

Por uma razão pessoal, que é como o chileno Selarón costumava assinar seus quadros na Sorveteria da Ribeira, tenho pensado bastante em amor e amizade. De algum modo, o tempo traz consigo a revisão forçada, e algumas vezes mágica, do que empurramos para longe de qualquer possibilidade de racionalização.

Há tantos ruídos cotidianos que precisamos silenciar o mundo, de vez em quando, para tentar ouvir com clareza a própria voz. Tenho escutado o passado e é o presente que tem respondido, aqui e ali, com a força quase física daquilo que já se considerava ido, arquivado, esquecido e, por essa razão, inofensivo.

Concluí recentemente a releitura de um livro em que se conectam esses dois assuntos. “Ao amigo que não me salvou a vida” foi escrito pelo francês Hervé Guibert e lançado em 1990, um ano antes da morte do autor por complicações do HIV. Eu o tenho nas estantes numa edição antiga, com ligeira alteração no título.

Confesso que a primeira leitura desse livro me pegou em uma outra perspectiva. Ainda não havia perdido um amigo para a AIDS. Lembro o turbilhão vivido logo que surgiram as notícias sobre o vírus e, meses depois, os boatos aterrorizantes sobre pessoas contaminadas na cidade, no bairro, na rua, na turma.

A reedição pela Todavia do clássico de Hervé, considerado precursor da autoficção, coincide com a morte de Daniel Defert, o que na mídia brasileira passou batido, embora seja inegável a importância deste sociólogo e ativista, que em 1984 criou a AIDES, primeira associação francesa a lutar contra a estigmatização.

Companheiro de Michel Foucault, Defert é um dos personagens de “Ao amigo que não me salvou a vida”, onde aparece como Stéphane. Um nome fictício, Muzil, protege o autor de “Vigiar e punir” no que se configura como um dos relatos mais cruéis e sensíveis dos últimos dias do filósofo no hospital parisiense Pitié-Salpêtrière.

O mesmo se pode dizer sobre a narrativa de Hervé, que põe a nu seu próprio processo, marcado pela esperança frustrada de um milagre, a ajuda de um amigo (aquele que não lhe salvou a vida). Faz pensar amor e amizade, esses vínculos siameses, e em como testamos os nós que nos unem quando é necessário que sejam fortes.

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