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Você já pulou CARNAVAL de verdade?

Eu não sei o que você decidiu fazer neste ano, nem se gosta ou se não gosta, mas observe esse assunto aqui. Não estou falando do Carnaval carioca que, pra mim, é brincadeira de criança, seja nos “bloquinhos” ou na Sapucaí. Não quer dizer que não preste nem que não deveria existir. Quem gosta, parabéns. Eu apenas me sinto pulando amarelinha e foram muitos anos ali, a trabalho ou lazer. Pra mim, falta diversidade. De tudo. Pronto, falei. Bocejo em desfile de escola de samba e não teve um “bloquinho” – do A Rocha da Gávea ao Cordão do Bola Preta – que ganhasse meu coração de verdade. Respeito, mas não sinto CARNAVAL naquilo ali.

Também não falo do Carnaval de Pernambuco, ainda que, este, eu ame muito, como amo tudo que existe naquele estado. Já fui não sei quantas vezes, adoro o frevo, os maracatus e todos os outros sons que acontecem no Marco Zero que gosto mais do que de Olinda. Feliz, sempre, mas ainda não aciona a tecla vermelha CARNAVAL que tenho dentro de mim. Pena que é nos mesmos dias, porque eu queria poder emendar o meu com o deles e aí, sim. Mas, voltando: fora Rio e Pernambuco, só sobra a Bahia, né?

(Dos outros não digo nada que não tem foliã amadora aqui.)

Cada pessoa tem a própria opinião, mas esta conversa é sobre o que eu considero CARNAVAL de verdade e explico até os motivos. Não é “o da Bahia”, não, inclusive. É o de Salvador e nem tudo ou qualquer coisa. Também não tô falando de palco armado, bloco nem camarote nenhum. Show é show que é outra coisa. Bloco é um show andante, não vejo graça em estar dentro daquilo, por mais bonito que seja – e alguns são – de ver passar. Camarote, por sua vez, é coisa ótima pra ir com criança que é mais seguro. Ou, então, pra comer, beber, descansar e encontrar os amigos no intervalo do CARNAVAL que, evidentemente, não está ali. As vezes, há ótimos shows nos camarotes, mas é festa, apenas. Inclusive, porque não há nada que mais contradiga CARNAVAL do que camisetas padronizadas, pulseiras e abadás.

Não falo do centro histórico, tão bem decoradinho, todo ano. Nem do Santo Antônio que eu amo em dias comuns. Nem da belíssima saída do Ilê, lá no Curuzu, eu tô falando. De vez em quando, eu vou. Uma maravilha, mas, aqui, não falo de nada que não seja circular, fora das cordas, no chão, no circuito Dodô e no circuito Osmar, nos sete dias de CARNAVAL, na cidade da Bahia. Aí, é. A pessoa que quer uma experiência de CARNAVAL, vai pro Campo Grande de dia, pra a Barra de noite, de quinta a quarta, se aguentar. Se mistura. Se derrete. Pronto, acabou o assunto. Conheceu CARNAVAL.

(Em cima de trio, a depender do trio, por algum tempo, também é massa.)

Elke Maravilha disse, uma vez, que não confiava em alguém com quem nunca tivesse tomado um grande porre. Foi isso ou algo assim. Concordo em parte, há outras formas de exposição e pacto. CARNAVAL é uma delas ou, pelo menos, eu me sinto profundamente ligada a pessoas com as quais percorri avenidas, por infinitas horas, por dias seguidos, encontrando belezas e enfrentando demônios, sob sol, chuva e lua. Também tomando grandes porres, mas não apenas isso. Porque já precisei não beber e a alteração de consciência se deu, de modo parecido, naquela intimidade de cheiros, corpos, suores e sons.

CARNAVAL é transe não-instagramável. CARNAVAL nunca saiu numa foto, saiba. Jamais foi publicado. Toda vez, em algum lugar de um dos circuitos, espremida por gente de todo tipo, pulando em cima de algum mínimo pedaço de asfalto, o misticismo, que evito em todos os outros dias do ano, sinto imenso e inevitável. CARNAVAL não é chique, fino e delicado. É uma força que toma as ruas em fluxo, em movimento, em não se conseguir, quase, falar. Não há CARNAVAL elegante e limpinho, sem cheiro de suvaco, óleo diesel, urina e cachaça. Assim como sexo (do bom), não há CARNAVAL sem fluidos, sem umidades, sem medo, sem frio na barriga, sem gargalhada, sem entrega e sem alguma vontade de chorar.

Você pode discordar, mas é seríssimo o assunto, eu acho. Há todo um código de comportamento que você só vai conhecer no chão de Salvador, no CARNAVAL. Ouvindo música que gosta e que não gosta, se batendo com ladrão e com amizades, descobrindo que escolheu o sapato errado, tendo o celular roubado (levou pra a avenida, não posso fazer nada), fugindo de porrada, apertado entre dois blocos, respirando a fumaça dos trios, tirando a camisa pra espremer o suor, perdendo completamente o controle do seu caminho porque multidão é correnteza e te leva, não adianta brigar. Aí, você fica esperto em dois tempos ou não presta pra CARNAVAL.

Metáfora intensa de vida real. Aperta, afrouxa. Dói e faz cosquinha. De repente, a paz do trio de Luiz Caldas e o prazer imenso de ganhar, sem nada combinado, aquele beijoabraço que nunca aconteceu nos dias normais. Ou abrir os olhos na pipoca de Daniela e ver o amigo querido dançando na sua frente, por acaso. Ou, no meio do Campo Grande, despachar o fantasma de um amor mal-correspondido dançando “não me pegue não me toque” na maior e surpreendente alegria. Ou chegar Lazzo cantando “do jeito que seu nêgo gosta” pra botar borboletas no estômago outra vez. Ou tirar os sapatos, de noite, na Praça Castro Alves. Não recomendo, mas já fiz. Ou amanhecer o dia mergulhando no mar, com um deus do Ilê, que eu tava vendo passar.

Você já pulou CARNAVAL de verdade? Raiz? Diga aí. Ou apenas passeou, fez pose, foto, botou maquiagem e comeu pelas beiradas? Opção legítima, claro. Ninguém é obrigado a gostar nem a ter coragem. Ah, porque tem isso, também. É preciso ter coragem. Não pra enfrentar os outros, que isso é o mais fácil. Mas pra lidar com a pessoa na qual você mesmo se transforma, quando CARNAVAL entra na carne. As vezes, a pessoa CARNAVAL é nervosa, irada, agressiva, dá perda total. Um saco. Ou cheia de pânicos, nojos e elitismos inesperados. Se irrita no contato próximo, negócio problemático.

A minha eu CARNAVAL eu já conheço de menina. Coração disparado, feliz, emocionada e adora andar sozinha. A multidão me dá paz. No meu mais recente CARNAVAL, desci, sozinha, no meio da pipoca do Baiana System, na Barra até Ondina. Circuito todinho, sem arrego. Quem conhece sabe do que tô falando. Horas de “massagem terapêutica” no corpo todo. Em transe. Pleníssima. Na manhã seguinte, tava cheia de pequenos hematomas por tudo que é canto. Feliz da minha vida. Neste ano, tô com medo da covid. Esse negócio não acabou, tô ligada. E CARNAVAL de máscara e sem beijo na boca não presta pra nada. Sei não, tô dizendo que não vou. Mas não garanto, que a tentação tá demais e ando precisada dessa catarse. Vou medir prós e contras. Decido depois. De todo modo, já ficam aqui os meus “Laroyè, Exu!” e “Evoé, Baco!”.

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