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Efeito zero (por Mary Zaidan)

Desde 1989, quando o país inaugurou os dois turnos para cargos majoritários – prefeitos, governadores e presidente da República -, o roteiro da segunda etapa é semelhante. Os dois finalistas buscam apoio dos derrotados, tentam ocupar as ruas. Aumenta-se a intensidade das agressões, guerreia-se com todas as armas, incluindo denúncias vazias, dossiês falsos e todo tipo de mentiras – as tais fake news, para não destoar do anglicismo da moda. A diferença desta vez é que o pesado arsenal de maldades usado de um lado e de outro não tem conseguido bulir com as intenções de voto. Percorrida a metade do período entre os turnos, tudo continua igual na disputa para presidente.

Com oscilações mínimas, as pesquisas realizadas nas duas últimas semanas mostram fotografias praticamente idênticas aos resultados das urnas. Luiz Inácio Lula da Silva venceu o primeiro turno com 48,43% dos votos válidos, mais de 6 milhões à frente do presidente Jair Bolsonaro, com 43,20%. Uma diferença de 5,23 pontos percentuais, que vem se repetindo, com leve vantagem para Lula, nos campos do Datafolha e do Ipespe – Lula, 53% x Bolsonaro, 47%.

Talvez pela estridência das redes sociais, os golpes abaixo da cintura ganharam maior visibilidade. E, de forma quase inédita, parte deles vem sendo reproduzida no horário de rádio e tevê. Bolsonaro acusa Lula de ladrão, de ser campeão de votos entre presidiários, Lula rebate mostrando bandidos que apoiam Bolsonaro. Um vai fechar igrejas, é comunista e anti-família, outro genocida e canibal. Um troca-troca repugnante que não vira voto, mas é muitíssimo eficaz para ampliar a ojeriza à política.

Mesmo sendo vergonhoso para a democracia, nada disso é novidade. Antes da popularização da internet, dos grupos de WhatsApp, Telegram, Twitter, TicToc, etc., o país assistiu às baixarias de Collor de Mello contra Lula, com o uso criminoso da filha do candidato petista. Viu o Dossiê Cayman, comprovadamente falso, que tentava enredar o então candidato Fernando Henrique Cardoso em uma associação criminosa de evasão fiscal, os “aloprados” petistas contra José Serra, a propaganda eleitoral de Dilma Rousseff que acusava Marina Silva de conluio com banqueiros. Baixarias inomináveis que mexeram na disputa, em alguns casos  de forma determinante.

Travestidas em memes, montagens baratas ou super bem produzidas, mudaram-se as formas, mas a estratégia é velha conhecida: desconstruir o adversário a partir de mentiras. Desta vez, nem esse tipo de guerra tem funcionado, criando dificuldades adicionais para o segundo colocado.

Diante de votos consolidados e com pouco espaço para mudança – de acordo com o Datafolha, 93% dos eleitores já decidiram seus votos -, Lula só não pode errar. Bolsonaro, além de não errar, teria de acertar tudo, o que de cara ele já não conseguiu. Na verdade, o presidente está no lucro: a intenção de voto nele não caiu nem com as derrapadas sequenciais dos últimos dias. Do nordestino analfabeto ao “Sírio” de Nazaré (grafia que usou para a festa paraense em suas redes sociais), passando pelo vexame no Santuário de Aparecida, onde sua turba agrediu, com xingamentos, perseguição e vaias, os devotos da Padroeira do Brasil.

A campanha de Bolsonaro deve insistir na desconstrução de Lula, dividindo o tempo de ataque com o de defesa, no qual se encaixam os pedidos de “perdão” do presidente, que solta uma desculpa por dia para tentar desfazer às pressas a imagem que forjou por anos a fio. Nessa toada, além de mea culpa pelas “palavras erradas” que usa, sua filha caçula Laura deixou de ser “uma fraquejada”, e ninguém mais vai “virar jacaré” se tomar a vacina contra Covid.

Desculpas são até bem-vindas, mas nada críveis quando feitas em reta final de campanha, especialmente por quem está atrás, louco por votos a qualquer preço.

Com o efeito zero do esbofeteamento nas redes e no horário eleitoral, a aposta fica para o confronto direto, o primeiro deles neste domingo. Como em qualquer debate, todos – militantes, jornalistas, analistas e público – vão dizer que esperam a discussão de propostas de governo. Mas torcem mesmo é por uma luta pegada, com ganchos de direita e de esquerda. Quanto aos candidatos, ambos são lutadores experientes. Sabem da improbabilidade de um nocaute de 6 milhões de votos.

Mary Zaidan é jornalista 

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