InícioEditorialMorre Judith Lauand, a única mulher do grupo de arte concreta paulista

Morre Judith Lauand, a única mulher do grupo de arte concreta paulista

Morreu, hoje, aos 100 anos, a artista plástica Judith Lauand. A única mulher a fazer parte do grupo Ruptura, de artistas concretistas paulistas. A família não divulgou as causas da morte, nem o local onde acontecerá o velório. Em 25 de novembro, o Masp inaugurou a maior retrospectiva da carreira da artista.

Em nota, o museu lamentou a morte de Lauand:

Para além dos dogmas do concretismo em que havia se iniciado, a artista concebeu um dinamismo muito próprio, criando novas relações entre formas, linhas e cores, transcendendo regras e convenções da época. Parte do importante legado que Lauand deixa à arte brasileira está contemplado na mostra ‘Judith Lauand: desvio concreto’, em exibição no MASP.

Judith Lauand nasceu em Pontal, interior de São Paulo, em 26 de maio de 1922, mas com apenas um ano, mudou-se para Araraquara. Filha de pai libanês, Jorge Miguel, e mãe síria, Wadia Lauand, o casal teve 12 filhos – nove homens e três mulheres. “Vivia-se intensamente as artes em nossa casa, se ouvia e se tocava música, se lia boa literatura. Convivíamos com muita arte”, recordou-se em uma entrevista.

Em Araraquara, completou os estudos primário e secundário, chegando ao magistério. Já atuava como professora do ensino primário, quando começou a frequentar os cursos livres de arte. Ao levar umas roupas para a costureira, passou em frente à Escola de Belas Artes de Araraquara, sentiu vontade de atravessar a porta. “Entrei e achei uma revolução”, conta.

Vocação de artista

No fim da década de 1940, Judith integrou a primeira turma do curso de artes da Escola de Belas Artes, formando-se em 1950 e participando, no seguinte, do Primeiro Salão da instituição ao lado de Alfredo Volpi (1896-1988), Tarsila do Amaral (1886-1973), Flávio de Carvalho (1899-1973), Aldemir Martins (1922-2006), entre outros. A artista foi um dos destaques da exposição segundo o jornal jornal Correio Paulistano de 4 de novembro de 1951:

“O ponto mais alto do Salão – excluindo Bonadei e Lazzarini – é Judith Lauand, jovem, culta araraquarense. Apresentou 4 óleos com o título “Composição”. Testemunha o professor Lazzarini: ‘Com talento, já encontrou a própria plástica para expressão de uma personalidade. Sua linguagem revela uma procura de fundo filosófico e social’”

Suas primeiras pinturas são figurativas e tinham um colorido vibrante e uma tendência à simplificação da forma. Em uma tela sem título, de 1951, Judith pinta pessoas em tons de cinza, preto e verde, usando na composição formas geométricas na roupa da figura em primeiro plano. Depois de formada, tornou-se assistente do pintor italiano Domenico Lazzarini (1920-1987). Após pintar uma composição de natureza morta, notou que tinha feito uma pintura abstrata.

Um destino concreto

Mudou-se para São Paulo com toda família em 1950. Na capital, teve aulas com o gravurista Lívio Abramo (1903-1992) e fez amizade com Geraldo de Barros (1923-1998) e Alexandre Wollner (1928-2018). Sua atuação como monitora da 2a Bienal Internacional de São Paulo, em 1954, colocou-a em contato com a arte concreta de artistas brasileiros e estrangeiros, como Piet Mondrian (1872-1944).

Nesse ano, realizou sua primeira exposição individual, na Galeria Ambiente, em São Paulo, onde apresentou pinturas e guaches abstratos-líricos e geométricos. No ano seguinte, em 1955, após uma exposição coletiva na Galeria Prestes Maia, onde seus trabalhos foram colocados ao lado dos artistas do Grupo Ruptura, recebeu o convite de Waldemar Cordeiro (1925-1973) para se juntar ao movimento.

Judith foi a primeira e única mulher a integrar o time do qual faziam parte Anatol Wladyslaw (1913-2004) e Leopoldo Haar (1910-1954), o austríaco Lothar Charoux (1912-1987), o húngaro Kazmer Féjer (1923-1989), Geraldo de Barros (1923 – 1998), Luiz Sacilotto (1924 – 2003).

Com o grupo, participou de importantes exposições coletivas, como a 1a Exposição Nacional de Arte Concreta, realizada primeiro no MAM-SP (1956), e depois no MAM-RJ (1957); e a 1a Exposição Coletiva de Artistas Brasileiros na Europa (1959-1960), que passou por cidades como Munique, Lisboa, Madri e Paris.

De acordo com o crítico e curador Walter Zanini, o trabalho de Lauand se diferencia dos demais por caracterizar uma “estrutura mais dinâmica do espaço”. Em entrevista à Enciclopédia Itaú Cultural disse:

“Eu gosto muito do concreto porque é exato. É matemático, racional, coisas que gosto.”

Os trabalhos da artista buscavam menos a ideia de simetria, trabalhando composições aparentemente desequilibradas, que lhe atribuíam ritmo. “Judith envereda agora por novos caminhos realizando obras que podem ser chamadas de assimétricas, onde o geometrismo da decomposição cromática destrói a ‘partição eqüilateral’ presente ao longo de sua obra, criando uma nova simetria”, analisou o físico e crítico de arte Mario Schemberg.

Ao contrário da maioria dos artistas que evitava assinar na frente do quadro, a fim de excluir qualquer interferência na composição ou possível orientação de leitura, Lauand afirmava sua presença assinando as obras. As cores das composições também denotam sua particularidade diante do grupo usando, além de cores puras, verdes, tons de rosas, marrons, ocres e outras variações.

Desvio ao Pop

Em meados da década de 1960, realizou trabalhos ainda dentro da visualidade concreta, mas utilizando materiais como parafusos e fitas. Operação semelhante a de Cordeiro em Popcretos (1964).

No fim dos anos 1960, Lauand fez uma breve incursão pela arte pop, se apropriando de imagens do cinema e escrevendo sobre elas frases em que trabalhava um jogo de palavras com os termos amor, morte e sofrimento. Nas pinturas, as mulheres aparecem sempre em uma postura desconfortável ou de indiferença em relação à imagem masculina que a cerca.

Neste período, também faz uma série de telas em que tece críticas à Guerra do Vietnã e à repressão do Governo Militar brasileiro, que teve início com o golpe de 1964. Após esse breve retorno à figuração, Lauand volta à abstração geométrica à qual se dedicou na maior parte de sua produção.

Judith Lauand não se casou, nem teve filhos. A artista não queria que nada a desvirtua-se de caminho na arte.

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