Sempre que os fatos sugerem e a situação comporta – jornalística e pessoalmente falando – na cada vez mais frenética e surreal corrida dezembro, a caminho do final deste Ano 2022 , reservo um espaço neste recanto de opinião, para informar e refletir sobre a visão e o pensamento do bruxo do cinema espanhol, Louis Buñuel. Na verdade, um interlúdio, que aproveito para reler e recomendar a leitura (aos que ainda desconhecem) do livro “Meu Último Suspiro”, principalmente em seu primoroso capítulo de abertura, “Memória”, no qual o autor escreve sobre a relevância crucial deste sentido na vida do ser humano, a partir da sua comovente experiência ao lidar com a mãe, em suas visitas à casa da família em Zaragoza, quando ela começou apresentar os primeiros e pungentes (embora não raro engraçados) sinais de Alzeihmer, até quando ele chegava e ela não reconhecia mais o filho famoso… A desclassificação do Brasil pela Croácia, nos pênaltis, convenceu-me de que raros dias quanto os desta semana, são tão propícios para refletir sobre o tema que o diretor de “Viridiana” propõe em seu livro.
Desde o Planalto Central do país, do jogo político – de acordos, barganhas e arranjos – da passagem do governo Bolsonaro, em seu triste e patético ocaso, para o de Lula, em completa ebulição, ao anunciar nesta sexta os primeiros nomes do seu ministério – Fernando Haddad, Fazenda;Rui Costa, governador da Bahia, para a Casa Civil; o pernambucano José Múcio, na Defesa e o piauiense Flavio Dino, na Justiça – aos jogos do Catar e seus incríveis resultados demolidores de consagradas biografias, que o diga o nosso Tiye.
No Peru, vizinho do Pacífico sul, Pedro Castillo, o déspota “sem noção” , eleito pelo voto popular livre e democrático, testa o golpe de força e poder contra o Congresso, mas é barrado pelas leis em vigor, é preso em tentativa de fuga, cassado e vai parar na cadeia, sendo substituído pela vice de democraticamente escolhida nas urnas. Bem feito e que assim seja, sempre, para aqueles que menosprezam a democracia. Simples assim e para não esquecer.
Mas é no futebol do mundial do deserto saudita, onde multiplicam-se sinais memoráveis que tornam essencial e dão notável atualidade ao pensamento de Buñuel, e não só em relação ao esporte. A começar pelo feito histórico dos africanos da seleção de Marrocos, que, na terça-feira despachou para casa a Espanha do mago do cinema, e também do pretensioso e desmemoriado treinador Luis Enrique, que chegou à heresia de afirmar que a sua era “a única seleção que jogava futebol de verdade, com beleza, estilo e força. Sem deixar de dar espetáculo nesta Copa. Veio a humilhação em seguida, e agora Espanha não há mais no Catar. Nem Brasil, cuja caravana do espetáculo sucumbiu à heróica capacidade técnica e resistência estóica da Croácia –além de saber bater e defender pênaltis -, atributos que não deveriam ter sido esquecidos tão cedo, depois que os croatas chegaram à final na copa passada, na Rússia, conquistada pela França.
Em seu precioso livro, Buñuel afirma que o homem é a sua memória e que uma vida sem memória não seria vida. Mas o bruxo espanhol alerta em “Meu Último Suspiro”. “indispensável e onipotente, a memória é também frágil e ameaçada. Ameaçada não pelo esquecimento, o seu velho inimigo, mas também pelas falsas recordações que a invadem dia após dia”… Magnífico Buñuel!
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: [email protected]
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