A denúncia do senador Marcos do Val — vendida com mais ou menos gravidade, a depender do interlocutor — é outro exemplo de que o Brasil é uma vasta república das bananas. Somos o Bananão, como definiu o escritor Ivan Lessa, mas temos a ilusão de não sê-lo, à diferença dos nossos amigos do Caribe. Percamos a ilusão, por favor. É mais honesto.
Dito isso, vamos ao fato. Na função de chefe de redação, cuidei da cobertura de vários escândalos bananeiros: mensalão, dossiê dos aloprados, venda de resultados do campeonato brasileiro de futebol, dossiê de banqueiro contra governo e aquele que foi sem nunca ter sido, o petrolão, para ficar nos principais. Em todos eles, havia áreas de sombra. Sobre alguns deles, jamais se conseguiu lançar luz. Não é surpresa, portanto, que existam áreas de sombra nessa história relatada pelo senador Marcos do Val, de que o o ex-presidente Jair Bolsonaro e o ex-deputado Daniel Silveira tentaram coagi-lo para grampear ilegalmente o ministro Alexandre de Moraes.
Uma delas é se foi Jair Bolsonaro quem propôs a coisa na lata (a versão com mais gravidade). A princípio, Marcos do Val disse que sim; depois, voltou atrás e afirmou que foi Daniel Silveira a apresentar a ideia abilolada e que o então presidente só estava presente. Sobre essa área de sombra, há holofotes que tentam iluminá-la. Até o momento, tudo indica que Jair Bolsonaro foi pró-ativo na conversa inicial com Marcos do Val. Parêntese para outra contradição: o senador também afirmou que teve dois encontros com Alexandre de Moraes, para pôr o ministro a par da tramoia, mas Alexandre de Moraes confirmou apenas um. Fecha parêntese bem fechado.
A outra área de sombra do episódio é mais densa. É a respeito do que, exatamente, Jair Bolsonaro e Daniel Silveira queriam ouvir no grampo.
Nesse ponto, a denúncia de Marcos do Val é muito vaga. “Eles colocariam um equipamento de gravação. Teria um veículo já próximo ao STF, captando o áudio. E eu, nessa reunião com o ministro Alexandre, conduzindo para ele falar que, em alguns dos processos dele, ele ultrapassou a linha da Constituição”, disse o senador, em entrevista coletiva, confirmando o que saiu na revista Veja, na reportagem que trouxe a história à tona.
Imagino que o jornalista da Veja que publicou a bomba bananeira tenha perguntado a Marcos do Val se havia pontos específicos buscados por Daniel Silveira e Jair Bolsonaro. Se perguntou e Marcos do Val continuou vago, isso teria de ser registrado, acho eu.
Salvo engano, após a publicação da reportagem da revista Veja, não vi ninguém interessado em saber de Marcos do Val o que, precisamente, o então presidente da República e um então deputado federal desejavam extrair de um ministro do STF e presidente do STJ, por meio de grampo feito por um senador, com suporte técnico do Gabinete de Segurança Institucional e da Agência Brasileira de Informação. É uma pilha de ilegalidades juntas — e das grandes — para objetivo tão desprovido de contornos bem definidos. A tentativa de um golpe de Estado, por mais canhestra que seja, necessitaria ser explicada tintim por tintim.
Pensando bem, tudo não passa de preciosismo de um ex-chefe de redação. Jair Bolsonaro e Daniel Silveira são mesmo ainda mais toscos do que imaginávamos. E esse Marcos do Val, com suas idas e vindas, pode até estar delirando. Talvez tudo seja somente uma enorme sombra a ser dissipada o quanto antes. Seja como for, o Bananão nunca decepciona.