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Oi, Muquiranas! É hora de dizer tchau

O Muquiranas pode decidir que só desfila no bloco quem for do gênero masculino. Também pode determinar que todos os associados precisam estar vestidos “de mulher”, com a fantasia vendida por ele. O Muquiranas pode expulsar das cordas quem for mulher e, também, quem não estiver vestido do jeito que prova que o associado pagou para estar ali.

Há dezenas (ou centenas, sei lá) de “cordeiros” executando as ordens da direção do Muquiranas, há seguranças autorizados a tirar, de dentro do bloco, quem não cumpre as regras da agremiação. O Muquiranas decide a fantasia, decide quem vai cantar e tocar no trio, decide quanto vai custar cada “fantasia”, quantas serão vendidas e de que modo. O Muquiranas define quem ele é, na avenida, desde 1965. Ou seja, há quase 60 anos, o Muquiranas constrói a própria imagem, que é o que todos os blocos fazem.

É também assim que os cantores de trios trabalham: construindo a própria imagem. Com isso, agregam determinado tipo de folião, mesmo desfilando sem cordas (que é o certo, mas isso é outro papo). Tem a “pipoca do Baiana”, a “pipoca de Luiz Caldas”, a “pipoca de Kannário”, a “pipoca de Saulo”, a “pipoca de Daniela”, entre tantas. Todas bem diferentes entre si, todo mundo sabe disso e busca a própria turma na avenida, nos dias de Carnaval.

Os cantores assumem suas “pipocas” imprimindo determinado tipo de comportamento àquela multidão que segue o trio. Eles têm o microfone e voz amplificada é poder. Assim, conhecendo a postura dos blocos e dos trios sem cordas, sabemos o que vamos encontrar na avenida. Muito raro ter confusão num desfile do Ilê Ayê, por exemplo. Atrás de Armandinho, você pode dançar em paz. Alguns, são mais “barra pesada” e o folião vai fazendo as escolhas de acordo com gosto musical, condicionamento físico, desejo e até orientação sexual. Isso é diversidade, uma das coisas bonitas do nosso Carnaval. Acontece que a questão é de estilo e não de estar acima das leis.

Mesmo no Carnaval, onde muita coisa cabe, nem tudo pode fazer parte. Não é admissível, por exemplo, que toda mulher que pisa no chão do Carnaval de Salvador, se tiver a manha, saiba que deve fugir do Muquiranas como o diabo foge da cruz. Por medo mesmo. Ali, é submundo. Daquela carga de violência sexista, da misoginia explícita, qualquer uma de nós só escapa por distância física. São crimes cometidos em público. Repetidamente. Registrados em fotos e vídeos. Há décadas e ninguém faz nada, apesar das inúmeras denúncias ao longo dos anos.

Esse bloco é um problema há muitos Carnavais. Neste, que foi catártico, cheio de belezas e resgates, o comportamento violento – principalmente contra mulheres – dos associados, incomodou ainda mais. Desta vez, denúncias aparecem por toda parte, assim como imagens dos homens vestidos de mulheres agredindo, assediando, abusando, importunando, pipocam na imprensa e nas redes sociais. Como “brinde”, a depredação de patrimônio, outra prática comum de componentes do  Muquiranas, conforme todos sabem.

Com a divulgação – e consequente revolta da população diante do comportamento do bloco na avenida – a diretoria do Muquiranas emitiu uma carta aberta quase afirmando que nem dirige a entidade. Em resumo, tá lá escrito que a direção é até contra a violência, que pode disponibilizar o cadastro para investigação dos crimes, que vai “banir” os criminosos identificados, mas que não tem poder algum sobre os associados. Pelo menos, foi isso que eu entendi quando ela diz que não pode fazer nada em relação ao comportamento daqueles homens durante o percurso do bloco, no circuito do Carnaval.

Entre outros absurdos, a carta (extremamente mal-escrita) diz que as “retaliações” contra os criminosos “cabem às autoridades”. Como é? Desde quando autoridades têm o direito de trabalhar com “retaliações” no Estado Democrático de Direito? Só pela escolha dessa palavra no lugar de “julgamento” e “aplicação da lei” já dá pra entender o nível. Pena de talião? Revide com dano igual ao sofrido? Vingança? A direção do Muquiranas sugere que os associados criminosos sejam assediados, sexualmente abusados, sofram agressões físicas e tenham seu patrimônio depredado? Conversa de bandido, né não? Pois, então. 

Dizem que o Muquiranas é lotado de policiais. Eu não sei, ninguém nunca me provou isso. Mas faz sentido, não faz? Eu acho. Essa fixação pelas tais “arminhas” parece até confirmar o “boato”. Depois, a desenvoltura com que cometem os crimes – mesmo sabendo que estão sendo gravados, como todo mundo sabe, hoje em dia – é coisa de quem tem “as costas quentes”, tipo um bróder em cada módulo policial. O que torna tudo ainda mais grave. 

A discussão conceitual, sobre o bloco, seria amplíssima, começando pela interpretação de que mulher é fantasia. Passaria pelo tesão do hetero top em se vestir de mulher e chegaria às arminhas mijando (muitos deles colocam urina no lugar de água) em mulheres. Mas não sou terapeuta. Então, a minha questão aqui é objetiva: eu quero saber o que esses caras ainda estão fazendo no Carnaval de Salvador.

Acabou. A própria direção assume isso ao dizer, subliminarmente, também na carta, que discorda do que o Muquiranas é, na prática. Também diz fazer incansáveis campanhas contra a violência e que não adianta nada. Afirmam que sequer conseguem estabelecer que os associados não usem as “arminhas” como penico e para agredir as pessoas no percurso. Que não conseguem comandar, organizar e, assim, responder pelo bloco. Sendo assim, é hora de dizer tchau. 

Nesta semana, o Ministério Público determinou a investigação de um dos crimes cometidos por associados do Muquiranas. Um dos tantos casos. Mas há dezenas de vídeos, fotos e testemunhos de outros muitos, em diferentes anos. Há até ameaça de morte denunciada e isso foi em 2018! Prova é o que não falta nas redes e na imprensa, e não só nesse pós-Carnaval. É um vasto material que, se trabalhado com o devido empenho, deve dar em prisão de muitos associados. Tomara.

Lista de componentes, CPFs, fotos cruzadas com as imagens dos crimes. Não deve ser tão difícil esse trabalho, depois da criação dos portais e da identificação facial. Investigar, identificar, expor e punir todos os tais “casos isolados”. Talvez, ao fazer isso seriamente, o Ministério Público entenda  o que nós, mulheres, experimentamos na prática: a violência, ali, é, sim, um comportamento generalizado. Aí, é só decidir pelo certo: o Muquiranas tem que acabar. Simples e exemplar assim. Fim de papo.

(E os Filhos de Gandhy – outro bloco de macho – que também abra os olhos. O papo de “tapete da paz” não cola mais. O Muquiranas é o foco agora, mas o Gandhy também é um problema sobre o qual falamos há muitos anos. Adiantem o lado de vocês, se for pra “preservar a tradição”. Agilizem as campanhas de conscientização. Não adianta só fazer, tem que mostrar resultado.)

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