O Supremo Tribunal Federal (STF) interrompeu, nesta quinta-feira (2/3), o julgamento que analisa se o racismo estrutural afeta as abordagens policiais. Na análise do caso de um homem negro condenado a 7 anos e 11 meses de prisão por tráfico de drogas, após ser flagrado com 1,53 g de cocaína em Bauru (SP), ao menos três ministros votaram por manter as provas como legais. Somente o relator do caso, ministro Edson Fachin, votou pela ilegalidade das provas.
No caso em questão, policiais admitiram no processo que a busca não foi baseada em elemento de suspeita, mas no chamado “perfilamento racial“. Ou seja, há, nos autos, alegação de que a busca ocorreu motivada pela cor da pele do réu.
Os ministros André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffolli, no entanto, entenderam que não cabe, nesse caso, a consideração da ilicitude da prova, porque não viram racismo na abordagem. Segundo eles, o homem estava em situação suspeita de entrega de droga para tráfico. Todos consideram o perfilamento racial inconstitucional, mas não acham que essa análise se enquadra no caso concreto em análise.
Edson Fachin considerou que houve racismo na abordagem. “A situação apresentada não revela a existência de elementos concretos a caracterizar fundada razão exigida para busca pessoal sem ordem judicial. Assim, reconheço, no caso, a nulidade da busca pessoal realizada pelos policiais militares”, afirmou.
Desse modo, Fachin concedeu ordem de ofício para declarar a nulidade da revista pessoal e dos demais atos processuais que dela advieram, e determinar, por conseguinte, o trancamento da ação originária.
Fixação de tesesO relator propôs ainda, com a intenção de coibir o “perfilamento racial” em buscas policiais, a fixação de teses:
A busca pessoal independe de mandado judicial e deve estar fundada em elementos concretos e objetivos de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, não sendo lícita a realização da medida com base na raça, cor da pele ou aparência.A busca pessoal sem mandado judicial reclama urgência para qual não se pode aguardar ordem judicial e que os requisitos para a busca pessoal devem estar presentes anteriormente à realização do ato e devem ser devidamente justificados pelo executor.Até a suspensão da sessão nesta quinta-feira (2/3), os ministros não tinham decidido se fariam a apreciação de fixação de tese. O julgamento continua na próxima quarta-feira (8/3). Sete ministros ainda precisam votar.
RacismoNa sessão plenária de quarta-feira (2/3), a Procuradoria-Geral da República (PGR), representada pela vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, defendeu a rejeição do HC. Pelo entendimento dela, não resta configurado no caso o racismo estrutural.
“Não estamos a julgar um problema social, infelizmente. O racismo é uma coisa que existe, e não é um privilégio do Brasil, existe em outros lugares. Mas não podemos esquecer que a droga é droga e é prejudicial em qualquer lugar, não é porque a pessoa é de cor preta ou de cor branca que deverá ser isenta por isso”, disse Lindôra Araújo.
O processo em questão foi analisado pela 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) antes de chegar ao Supremo. No entanto, a Defensoria Pública entrou com habeas corpus no STF contra acórdão da turma que aplicou ao homem redução da pena pelo princípio da insignificância, mas não reconheceu a ilicitude dos elementos de prova para condenação por terem sido embasados na cor da pele.
“A ilicitude da prova decorre da busca pessoal baseada em filtragem racial”, ressaltou a Defensoria em duas alegações. O órgão pontua, ainda, que, “caso superados os argumentos desenvolvidos e que culminam na absolvição do réu, deve, ao menos, ser feita a devida desclassificação da conduta do homem”.
A ideia do relator é fixar tese de que o racismo estrutural afeta as abordagens e que, se isso acontecer, o processo pode ser nulo.