InícioEntretenimentoCelebridadeMovimento pede o tombamento das obras de Juarez Paraiso

Movimento pede o tombamento das obras de Juarez Paraiso

Um dos artistas plásticos mais importantes da Bahia, Juarez Paraiso, 88 anos, tem grandes criações espalhadas por Salvador, que nem sempre recebem o tratamento que merecem. Por isso, intelectuais, amigos e admiradores do artista lançaram, ontem, uma campanha para tombamento das obras do baiano, nome fundamental da segunda geração modernista no estado.

É difícil encontrar um estudante de artes que nunca tenha ouvido o nome de Juarez Paraiso. O artista, que também foi professor da Escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (Ufba), começou a carreira na década de 1950, impulsionada por duas premiações em 1952, no 2º Salão Universitário Baiano de Belas Artes. Não parou mais.

A importância dele está na criação de obras em espaços públicos e privados, nas técnicas usadas e nas pesquisas desenvolvidas ao longo de sete décadas de trabalho. Os destaques estão na produção de arte abstrata em desenho e gravura, grandes murais e calçadas. 

O restaurador José Dirson Argolo, que integra o grupo criado para tratar do tombamento, contou que a ideia surgiu há dois meses. As reuniões acontecem no atelier dele, no Garcia, e o grupo está recolhendo assinaturas no site (www.change.org/p/tombar-as-obras-do-artista-plástico-juarez-paraiso,  para apresentar ao Governo do Estado e à Prefeitura de Salvador.

Foto: Marina Silva
Juarez Paraiso é um dos principais artistas plásticos baianos (Foto: Marina Silva) 

“Juarez é um dos mais importantes artistas modernos e contemporâneos da Bahia, e suas obras estão em sua quase totalidade na cidade do Salvador, mas infelizmente muitas delas vem sendo destruídas ao longo dos anos por não terem nenhuma proteção legal, como aconteceu no Cine Tupi e no calçadão da Praça da Sé. A lei de tombamento protege a obra do artista e garante sua preservação para a posteridade”, afirma Dilson

Nos bastidores, o grupo vem fazendo contato com representantes municipais e estaduais, fazendo um estudo de todas as obras de Juarez e preparando a papelada que será entregue aos órgãos públicos. A expectativa é concluir tudo em até 60 dias. “O tombamento é para que as obras não continuem sendo destruídas ou deixadas para se destruir pelo próprio tempo”,  completa. 

Foto Marina Silva
Mural da Secretaria de Agricultura, no Centro Administrativo : limo, rachaduras, vegetação alta e falta de peças (Foto: Marina Silva)

A intensão é que a proteção da lei alcance as peças que estão em espaços e prédios públicos e propriedades privadas. Um abaixo-assinado está disponível on-line  e também de forma presencial na Escola de Belas Artes, no Canela, e no Palacete das Artes, na Graça – onde atualmente há uma exposição em homenagem ao artista, em cartaz até o dia 7 de maio.

O objetivo é alcançar 10 mil assinaturas, e há mobilizações também no interior, nas cidades de Cachoeira, Jequié e Vitória da Conquista.  A ex-diretora e atual professora de escultura da Escola de Belas Artes, Nanci Novaes, foi aluna de Juarez Paraiso. Ela contou que a sala de aula era o atelier do artista e que ele deixava os estudantes à vontade para questionar.

“É indescritível o valor estético, material e de memória da obra de Juarez Paraiso. Ele foi professor da escola por 60 anos, tem 70 anos de arte e é um professor que deixou inúmeros discípulos e admiradores. A obra dele representa toda a grandeza da sua arte e merece ficar eterna, ser preservada e cuidada”, destaca.

Ela acredita que o tombamento pode ajudar a abrir caminho para a preservação das produções de outros artistas baianos. Quando uma obra é tombada, ela fica sob a proteção da prefeitura, do estado ou do governo federal. A peça não pode mais ser demolida e o poder público assume a responsabilidade sobre a conservação da obra.

Presente no lançamento, Juarez destacou que não há nenhuma obra de arte que não seja contextual. “Não existe a sagrada inspiração, o que existe é muito suor e a vivência que cada artista tem”, disse, e completou. “A obra de arte é cada vez mais ameaçada, não só pelo tempo, mas também pela falta de interesse em preservar o que há do tesouro artístico baiano. Esse tesouro artístico pertence a comunidade, ao povo, e deve ser uma coisa sagrada do ponto de vista de ter o estado como sendo o cuidador desse tesouro. Eu me considero apenas uma referência para esse cuidado”, disse.

O grupo de trabalho responsável pela campanha de tombamento é composto pela artista Marcia Magno, ex-diretora da Escola de Belas Artes e esposa de Juarez, os restauradores José Dirson Argolo, Waldemar Silvestre e Angelica Borges, a gestora cultural Angela Andrade, e o publicitário João Silva, também responsável pela comunicação e criação da marca do projeto.

A Secretaria de Cultura da Bahia (Secult) foi procurada para comentar o estado de conservação das obras, mas não se manifestou.
 

Foto: marina Silva

Juarez Paraiso tem grandes obras na cidade, como o muro e o calçadão do Edifício Monsenhor Marques, no Largo da Vitória (Foto: Marina Silva) 

Obras espalhadas pela cidade

Em 2000, os painéis de Juarez Paraiso que ficavam no Cine Art I e II, no Politeama, construídos em 1988, foram destruídos a marretadas pela Igreja Evangélica Renascer em Cristo, que havia comprado o prédio. Um mural de 40 metros quadrados para o antigo Cine Bahia, na Rua Carlos Gomes, também foi desfeito pela Igreja Evangélica Universal.

Mas ainda é possível encontrar obras do artista pela cidade. Quem vai ao Parque de Exposições Agropecuária, na Avenida Luís Viana Filho (Paralela), precisa passar pela obra Gestação, escultura e 3m de alturae 9 m de extensão, que fica no canteiro central, em frente aos portões. Ela é de fibra de vidro e deveria ser toda branca, mas a pintura está sendo coberta pela sujeira e rabiscos.

Já no Parque Metropolitano de Pituaçu fica Invertebrado, uma obra de 1979, em relevos de massa de cimento e barro. Em algumas regiões o vidrotil (pequenos azulejos ou pastilhas) cedeu pela ação do tempo e há grama crescendo na base da escultura. A situação mais crítica é do mural da Secretaria de Agricultura, no Centro Administrativo da Bahia. Ele tem limo, rachaduras, vegetação alta e perdeu parte das peças.

O mural e o calçadão do Edifício Monsenhor Marques, no Largo da Vitória, inaugurados em 1978, também são obras de Juarez. A Escola de Belas Artes tem uma página dedicada ao artista, localizando-o na segunda geração do modernismo da Bahia, juntamente com Calasans Neto, Sante Scaldaferri, Jenner Augusto, Betty King, Adam Firnekaes, Riolan Coutinho, Leonardo Alencar, Sonia Castro e Jamison Pedra.

Nos anos 1970, 1980 e 1990, Juarez produziu intensamente e estabeleceu uma relação estreita com Salvador, desde as inúmeras obras em vias públicas, como calçadas e painéis a céu aberto, até peças permanentes em prédio públicos e edifícios privados, como condomínios e hospitais. Em cada canto da cidade, o artista foi deixando as próprias marcas.
 

Filho da Chapada Diamantina

Juarez Marialva Tito Martins Paraiso nasceu em Rio de Contas, município da Chapada Diamantina, em setembro de 1934. Ele era o terceiro filho de Isaltino Concécio Paraiso, um homem negro, e Eulália Martins Alves Paraiso, mulher branca. Quando Juarez tinha 8 anos a família mudou para Salvador, porque o pai dele, um democrata, sofria ameaças dos coronéis. Na capital, Isaltino trabalhou como contador e professor.

Na capital, Juarez começou e ter mais contato com histórias em quadrinhos, aventura e ficção científica. Inspirado nos desenhistas Alex Raymond, Harold Foster, Will Eisner e Burne Hogarth, ele começou a criar os próprios álbuns.

Isaltino apresentou alguns desses trabalhos para o artista e professor da Escola de Belas Artes, Raymundo Aguiar, que recomendou que o jovem fizesse um curso no Instituto Baiano de Artes Plásticas. O conselho foi seguido e, cerca de um ano depois, Juarez prestou vestibular e foi aprovado na Ufba, aos 17 anos, onde estudou pintura, gravura e escultura.

Hoje, ele é professor Emérito da Universidade, membro da Academia de Letras da Bahia, da Academia Brasileira de Ciências e da Associação Brasileira de Críticos de Arte. O domínio das diversas técnicas da pintura, da gravura, do mosaico e da escultura rendeu ao artista prêmios e indicações, mas quando perguntado qual a fonte de inspiração, Juarez dá um sorriso discreto e responde “a própria vida”.

Confira algumas obras de Juarez Paraiso:

Mural da Secretaria da Agricultura, no Centro Administrativo da Bahia (1974) – É um painel de 17 metros de extensão e 4 metros de altura, com relevos de concreto, massa de cimento e barro, e aplicação de vidrotil. A obra fica na lateral do prédio e está desgastada pela ação do tempo. Há limo, vegetação alta, perda de peças e rachaduras.

Edifício Monsenhor Marques, no Largo da Vitória, em Salvador (1978) – O local tem um calçadão e um painel a céu aberto. O espaço está conservado;

Parque de Exposições Agropecuária de Salvador (1979) – A escultura ‘Gestação’ fica no canteiro central, em frente aos portões, e tem 3 metros de altura por 9 de comprimento. Ela foi inaugurada em 1979, é de fibra de vidro e está com parte da pintura suja pela ação do tempo, além de riscos feitos a mão;

Parque Metropolitano de Pituaçú (1979) – Batizada de ‘Invertebrado’, a obra tem relevos de massa de cimento e barro, e vidrotil. A escultura de 3 metros de altura e 9 de extensão está com parte do vidrotil cedendo a ação do tempo e perdendo as cores originais. A vegetação está crescendo na base da peça;

Mural do Cine Bahia e a ambientação do Cine Tupy (1968) – Ambos foram destruídos. Existem imagens disponíveis na página da Escola de Belas Artes, na internet;

Painel para o Clube da Aeronáutica de Brasília (1976) – A obra ainda existe. São sete painéis, como a obra ‘Paisagem Cósmica’, produzido através de técnica mista sobre madeira.

Mural do Hospital Roberto Santos (1979) – Ele recobre uma parede da recepção principal do hospital, tem relevos com massa de cimento e barro e pintura acrílica. Em 2012, o painel foi restaurado;

Murais dos Cines Art I e II (1988) – O prédio foi comprado pela Igreja Renascer no Senhor e as obras foram destruídas, em 2000;

Mural do Museu Geológico (1998) – Ele tem pedras naturais, relevos de massa de cimento e barro. Fica no Corredor da Vitória;

Outras obras – Condomínio de Interlagos (1986), Parque de Esculturas do Museu de Arte Moderna da Bahia (1997), e calçadões do Hospital da Aliança da Bahia (1989) e do seu Setor Pediátrico (2001). Os calçadões da Praça da Sé (1982), em pedra portuguesa, foram destruídos;

Confira as premiações que Juarez recebeu ao longo da carreira:

  • 1952 – Salvador, BA – 2º Salão Universitário Baiano de Belas Artes – Medalha de Ouro na Seção de Escultura; Menção Honrosa na Seção de Pintura.
  • 1953 – Salvador, BA – 3º Salão Universitário Baiano de Belas Artes. Medalha de Ouro na Seção de Desenho.
  • 1954 – Salvador, BA – 2º Congresso Nacional de Artes Plásticas. 2º Prêmio de Desenho.
  • 1954 – Salvador, BA – 4º Salão Baiano de Belas Artes. Menção Honrosa.
  • 1955 – Salvador, BA – 5º Salão Baiano de Belas Artes. Prêmio Universidade da Bahia.
  • 1956 – Recife, PE – 4º Congresso Nacional de Estudantes de Arte. 1º Prêmio de Desenho.
  • 1956 – Salvador, BA – 5º Festival Universitário de Arte. 2º Lugar Seção de Pintura.
  • 1967 – Brasília, DF – 4º Salão de Arte Moderna do Distrito Federal, no Teatro Nacional Cláudio Santoro. Referência Especial na Seção de Desenho.
  • 1970 – Salvador, BA – Homenagem a Albrecht Durer, na Galeria do Instituto Cultural Brasil-Alemanha – Icba (Goethe Institut). 1º Prêmio.
  • 1970 – Curitiba, PR – 28º Salão Paranaense. Artista Convidado e Prêmio de Aquisição.
  • 1981 – Salvador, BA – Premiação com o Projeto Objetos Totêmicos, na Exposição dos Vencedores do 1º Concurso Público de Projetos de Artes Plásticas, no Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM-BA.
  • 1982 – Salvador, BA – Premiação com o Projeto Série Violência, do Concurso Público de Projetos de Artes Plásticas, no Museu de Arte Moderna da Bahia – MAM-BA.
  • 2006 – São Paulo, SP – Prêmio ABCA 2006, da Associação Brasileira de Críticos de Arte. Artista homenageado, juntamente com Marcelo Grassmann e Odetto Guersoni.
  • 2006 – Salvador, BA – Troféu Juarez Paraiso. Homenagem criada pela Federação Baiana de Futebol e troféu dedicado ao time campeão juvenil.
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