InícioEntretenimentoCelebridadeFita pirata fez juventude baiana descobrir Reginaldo Rossi e torná-lo estrela nacional

Fita pirata fez juventude baiana descobrir Reginaldo Rossi e torná-lo estrela nacional

Corria uma tarde monótona no Recife (PE), no outono de 1998, quando o empresário do setor artístico Sandro Nóbrega atendeu um estranho telefonema feito a partir de Alagoinhas, na Bahia. Um homem se dizia interessado em contratar o show de Reginaldo Rossi, e a mensagem foi prontamente passada ao artista, que estava à sua frente, no escritório. “Eu falei pra Reginaldo: ‘tem um cara de Alagoinhas que está ligando pra gente fazer um show lá’. Aí ele me disse: ‘pô, Alagoinhas! A última vez que estive lá foi na época da Jovem Guarda!’”, relembra Nóbrega, citando a surpresa do Rei do Brega ante o interesse algo aleatório. A Bahia não era um lugar comum nas suas turnês, até então.

Para afastar qualquer desconfiança, o contratante já detalhou como pagaria o cachê, a passagem, qual seria o hotel, tudo certinho. “‘Então, vamos lá, né?’, Reginaldo me disse. E quando a gente chegou em Alagoinhas, cara, tava lotado o local. Fã-clube, pessoal com camisa… Ficamos muito surpresos. A partir daí, começou a se espalhar a febre na Bahia”.

Mas a temperatura aumentaria bastante quando uma fita K7 pirata, curiosamente gravada em show na limítrofe Juazeiro, se espalhou por toca-fitas cá embaixo, na capital. Foi assim que jovens soteropolitanos, a maioria adolescentes, descobriram (tardiamente) o pernambucano e, conforme o próprio cantor, falecido há 10 anos, mudaram sua história para sempre, fazendo dele um artista de alcance e interesse nacionais.

Jovens bregueiros
Eu era guri, mas lembro bem da febre em torno desse show que ‘viralizou’ num momento em que a internet e o CD ainda buscavam se popularizar. Meus primos, já quase adultos, se empolgavam com o K7 de Reginaldo (lá eles) falando coisas engraçadas, envolvendo histórias de corno e de como lidar com as mulheres, e isso foi um chamariz para que os xovens, de quebra, prestassem atenção nas músicas.

Como Rossi era tão brega como rock and roll, a coisa pegou de um jeito tão impressionante que os ingressos eram disputados a tapa, como relata a edição do Correio da Bahia de 1º de junho de 1998 sobre um show dois dias antes, em Itapuã.

“Basta dizer que o Sofitel Quatro Rodas [atual Hotel Deville] chegou bem perto de suspender a venda de ingressos. A capacidade de 4 mil pessoas da área coberta do ginásio foi atingida bem antes da meia-noite. Reginaldo Rossi pisou no palco acompanhado por pétalas de rosas vermelhas e começou a destilar dor-de-corno”, narrava a repórter Liliane Reis.

Ela abria o texto falando de uma certa anacronia suspensa no ar. “Um cinqüentão de cabelos grisalhos, barriguinha saliente, calça jeans surrada e óculos escuros pra lá de brega. Reginaldo Rossi é o anti popstar, mas, apesar disso, ou talvez por isso, virou febre, mania mesmo, entre os adolescentes das mais variadas tribos. O show que teve início no final de noite de anteontem, no Arraiá Cheiro de Amor, foi a confirmação da popularidade desse brega assumido entre os baianos”, descreveu na matéria intitulada “Reginaldo Rossi faz farra com ‘os netos’”.

A mesma reportagem cita ainda a empolgação do artista diante da aclamação juvenil. “Desafio você a me dizer qual o artista da minha geração que tem tanta popularidade com a garotada”, gabou-se para a jornalista nos bastidores. A resposta não tinha como ser dada.

Xerecoca
Mas a explicação para tamanha popularidade, claro, tinha muito a ver com a lábia e a performance de RR no palco, que hipnotizava a garotada. Apesar de hoje ser comum, por exemplo, falar palavrões ou relatar aventuras sexuais nos meios de comunicação (tava longe de chegar o despojamento das redes sociais), transgressões do tipo ainda chamavam a atenção.

Uma frase específica, contraindicado o uso de drogas, era uma das mais repercutidas: “ao invés de cheirar cocaína, é melhor cheirar a xereca das meninas”, e suas variações, foi parar nos jornais sudestinos, como o extinto Notícias Populares.

Apesar de polêmica, o conselho foi aprovado até por Dom Helder Câmara, arcebispo emérito de Olinda e Recife e um dos principais nomes da Igreja Católica.

“Essa frase da cocaína e da xereca foi tão engraçada que até Dom Helder fez um elogio a ele. ‘Rossi, você popularizou um discurso que todo mundo rodeava pra dizer, e você disse abertamente ao público’, Dom Helder falou isso pra ele”, relembra o ex-empresário, que cuidou da carreira de Rossi por 24 anos.

Parou a cidade
Se o show no Quatro Rodas não deu pra quem quis, muita gente apostou que daria três semanas depois, no Arraiá da Capitá, no Parque de Exposições. “O jornal A Tarde fazia o Arraiá, e a gente fechou o contrato, e deu 78 mil pagantes. O maior público que o Arraiá já colocou, o recorde”, relembra Nóbrega, que sabendo do burburinho havia tratado de chegar mais cedo no local do evento. Fez bem.

“Engarrafou a Paralela, a Orla… Tinha um amigo meu que estava querendo ir e me falou, ‘bicho, eu vou ficar aqui no meio do caminho bebendo porque não consigo chegar’”, conta.

E foi confusão na chegada e na hora de ir embora. “Quebraram a bilheteria pra sair, e os barraqueiros todos dizendo ‘rapaz, traga esse homem de novo aqui’”.

Não demorou nem 24 horas para o pedido ser atendido. No dia 23, o cantor Leandro, que se tratava de um câncer, faleceu, cancelando o show do irmão Leonardo no Arraiá. Reginaldo assumiu o lugar na grade. Encheu de novinhos novamente.

Conta Sandro Nóbrega – que há nove anos mantém o projeto The Rossi (@therossioficialabanda), uma banda que roda as cidades relembrando os principais sucessos do Rei do Brega – que Reginaldo Rossi vivia lembrando que essa agonia toda na Bahia, a partir de 1998, foi um ponto de virada na sua carreira: “Ele sempre falou isso: ‘eu estourei nacionalmente depois que eu estourei na Bahia. (…) Eu vim estourar nacionalmente depois que eu consegui conquistar Salvador'”. E essa relação recíproca de ‘mon amour’ continua em plena lua de mel.

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