De uma hora para outra, tão rápido quanto uma talagada de pinga no Bar de Seu Zé, a criatura que antes ansiava por um dia bom para tomar 48 cervejas, agora se contenta com uma latinha de refri ou, veja que heresia, um copo de suco de laranja. Desde a recente Semana Santa, a personagem hipotética resolveu mudar do vinho pra água, e não é que a abstinência, após ficar uma semana sem beber, já lhe rendeu uma boa melhora nas condições de saúde!
Dar uma pausa no álcool ajuda – há quem faça ‘jejuns’ anuais de 40 dias seguidos -, embora parar de vez seria o ideal para quem quer ter mais longevidade e vida saudável. Mas afinal, o que leva alguém a tomar essa decisão? E como ela se reflete no corpo, na mente e na rotina? Conversamos com especialistas de diversas áreas da saúde que nos contam, dose por dose, os benefícios de se tornar um ex-pinguço(a).
Luiza (nome fictício para preservar a identidade da personagem) é uma mulher de 48 anos que se autointitula como uma biriteira profissional, de carteirinha. Logo após o Carnaval deste ano, tomou a decisão de parar de beber temporariamente. Para ela, que costumava bater ponto na mesa de bar semanalmente e ignorava os bons costumes de só beber aos fins de semana, a mudança não foi fácil.
“A parte mais difícil para mim foi tomar a decisão, porque sempre tem uma festinha, uma celebração, alguma coisa acontecendo. Aí, a gente acaba cedendo. Uma vez que a decisão está tomada mesmo, não tenho a menor dificuldade. Fico super bem, super de boa”, revela.
Luiza já havia experimentado ficar sem beber em outras ocasiões. Em 2022, também motivada pelo fim da folia, ficou quase três meses sem ingerir álcool. “A questão é que sou muito biriteira, sempre tomo uma cerveja na semana, um vinho no fim do dia. Comecei a pensar na importância dos intervalos para quem tem uma rotina que sempre envolve álcool”, afirma.
Ao parar de beber, Luiza percebeu uma série de benefícios em seu corpo e mente. Ela perdeu 6kg em menos de um mês, associando o recesso à uma dieta mais balanceada. “Meu maior benefício é disposição física e linearidade de humor, não ter aquela preguiça da ressaca, fico mais equilibrada”, conta.
No entanto, Luiza também teve que enfrentar alguns desafios ao longo do processo, especialmente ao conviver com outras pessoas bebendo. “Fico ótima perto de pessoas bebendo mesmo sem beber, me sinto vitoriosa, sendo fiel aos meus desejos, conectada com as minhas escolhas. A parte chata é que, quando se está sóbrio, pessoas bêbadas começam a incomodar um pouco mais, a reação depois dos excessos é… complicada”, brinca.
Para a personagem, parar de beber faz parte de uma reeducação de hábitos, não apenas em relação ao álcool, mas para buscar melhorias no dia a dia. “Tenho colocado o álcool no grupo de coisas que preciso saber administrar, para não parar totalmente. Não quero ter diabetes, me tornar alcoólatra, viver inchada. Tenho pensando em uma reeducação de hábitos. Quero me firmar um pouco mais na minha rotina, ter o hábito de praticar atividades físicas com frequência, melhorar a minha dieta. Enquanto isso não acontecer, não volto a beber”, garante.
Nunca mais
Quem também deu adeus ao álcool foi Márcio das Virgens, 51, autônomo. Porém, de forma definitiva. Ao longo dos anos, Márcio começou a notar os malefícios da bebida em sua vida. Ele relata que, fisicamente, se sentia indisposto para trabalhar, estudar e praticar atividades físicas. Emocionalmente, a bebida afetava suas atitudes, relacionamentos, caráter e índole.
“Nos aspectos físico e emocional, o álcool trazia mais prejuízos do que benefícios. Reconhecer o vício foi o que motivou a decisão de parar de beber”, relembra Márcio, que já está longe da bebida há seis anos.
Após abandonar o álcool, Márcio notou uma série de mudanças positivas. Passou a se dedicar mais ao trabalho, praticar atividades físicas, estudar música e se engajar no evangelho cristão. “Além de me sentir fisicamente bem, agora me sinto útil, e não apenas um número na multidão”, relata.
Para ele, a escolha de parar de beber teve muitos benefícios, como a liberdade de não depender do álcool para ser feliz e a valorização da família. Contudo, reconhece que o processo não foi fácil. “Foi difícil aceitar que muitas pessoas que eu achava que eram meus amigos na verdade só estavam interessadas em beber”, lamenta.
O autônomo Márcio das Virgens, que largou bebida há seis anos: “álcool trazia mais prejuízos do que benefícios” (Foto: Acervo pessoal) |
Apesar disso, Márcio se sente à vontade com amigos que bebem moderadamente, desde que respeitem sua decisão de não beber. Ele credita sua recuperação ao poder da fé e acredita que nenhum tipo de droga é válido. “O álcool é a pior droga, porque é a porta de entrada para todas as outras”, acredita.
E a saúde?
De acordo com Lourianne Nascimento Cavalcante, hepatologista do Itaigara Memorial e presidente da Sociedade Gastroenterologia da Bahia, há uma série de benefícios em parar de beber, mesmo que por um período curto de tempo. Segundo a especialista, interromper o consumo de bebidas alcoólicas pode resultar em melhorias significativas na saúde, desde melhora na concentração e disposição até na percepção de melhora de sintomas e alterações laboratoriais que eventualmente já existam. Além disso, as lesões decorrentes do álcool podem ser revertidas se a interrupção do consumo ocorrer no início.
“Quanto maior o período de abstinência de álcool, maiores serão os benefícios observados. O consumo excessivo de álcool, inclusive predito geneticamente, está associado ao aumento do risco de doença hepática alcoólica, cirrose hepática, câncer de fígado, pancreatite crônica e gastropatias. Em pacientes com doenças inflamatórias intestinais, o álcool pode potencializar sintomas e exacerbação da atividade da doença. O consumo exagerado pode levar a insuficiência cardíaca por álcool e maior risco de arritmias atriais, mesmo em bebedores moderado”, alerta a especialista.
Segundo a hepatologista Lourianne Cavalcante, quanto maior o período de abstinência, maiores os benefícios (Foto: Divulgação) |
O consumo moderado de álcool é definido como 14 g de álcool por dia para mulheres e 28 g de álcool por dia para homens. Por exemplo, 14g etanol equivale a 350ml chopp, que tem 5% de álcool. 150 ml de vinho tem 12%, e 45 ml de destilados 40%. “Sabemos que indivíduos com predisposição genética a doenças relacionadas ao álcool poderão adoecer consumindo doses menores, porém, estes testes não são disponíveis na prática clínica. Algumas diretrizes americanas definem o consumo excessivo de álcool como ingestão de quatro ou mais drinks para mulheres e cinco ou mais drinks para homens, em cerca de duas horas. E o consumo pesado, oito ou mais drinques por semana para mulheres e 15 ou mais drinks por semana para homens. Esses números estão em estudo e sob questionamento, devido às muitas variáveis confundidoras dessa análise”, destaca a hepatologista.
Segundo a endocrinologista Luciana Barros, o álcool é uma substância tóxica que é priorizada na metabolização hepática para ser eliminada do corpo. Isso significa que todo o processo metabólico do fígado é direcionado para lidar com o álcool, o que pode levar a danos à saúde. “O álcool, como substância tóxica, acaba sendo prioridade na metabolização hepática para poder ser eliminado. O corpo vai direcionar toda a via metabólica do fígado para dar conta dessa substância, que pode trazer danos. Isso compromete a saúde como um todo, porque a partir do momento que se desvia o metabolismo para o álcool, deixa-se de metabolizar outras coisas que são importantes”, adverte.
Além disso, vale destacar que o álcool tem valor calórico semelhante ao da gordura. Conforme explica a médica, “na hora que o corpo prioriza metabolizar o álcool, ele deixa de metabolizar a gordura também. Isso acaba levando a um aumento do estoque de gordura no corpo, que tem uma tendência a se localizar na região abdominal. Por isso, pessoas que consomem muita bebida alcoólica têm essa obesidade central”.
Em grandes quantidades, o álcool pode afetar o eixo reprodutivo, levando à impotência, disfunção erétil e diminuição da testosterona. “Se isso se mantém cronicamente, como ocorre no caso dos alcoólatras, pode chegar até na atrofia dos testículos e na redução significativa da libido”, explica.
Efeito dominó do bem
Dar uma pausa no consumo de álcool pode trazer uma série de benefícios para a disposição e o preparo físico. Além de evitar os malefícios que a bebida pode trazer ao corpo, como a diminuição da absorção de testosterona no tecido muscular, comprometendo a força do músculo e a hipertrofia, também ajuda a reduzir o inchaço e diminuir a incidência de doenças crônicas.
“A redução do consumo de álcool pode ter um efeito dominó positivo no corpo. Com menos calorias vazias sendo consumidas, o corpo tem mais energia disponível para ser utilizada nos treinos, além de reduzir a sobrecarga do fígado. Com isso, é possível ter uma melhora significativa na rotina de treinos, o que pode levar a resultados mais efetivos a longo prazo”, explica a preparadora física Débora Leite.
Além dos benefícios para o preparo físico e a disposição, a redução do consumo de álcool também pode trazer melhorias visíveis na pele, unhas e cabelos. Isso ocorre porque a bebida alcoólica pode prejudicar a hidratação do corpo, deixando a pele ressecada e sem brilho, além de enfraquecer as unhas e causar queda de cabelo. Ao dar uma pausa no álcool, é possível permitir que o corpo se hidrate adequadamente, o que pode resultar em uma aparência mais saudável.
“Em um mês, ocorre a melhora da hidratação do organismo como um todo, deixando a pele com melhor viço e reduzindo o seu ressecamento. Por reduzir a disbiose (desequilíbrio da flora intestinal) que o álcool acarreta, traz um maior equilíbrio intestino-pele, o que reflete num maior controle de dermatoses como a dermatite atópica, a rosácea, a psoríase, a dermatite seborreica. Também ocorre a melhora da inflamação, o que reduz o edema da pele. No caso da pausa se tornar mais longa, como um ano, por exemplo, todos esses benefícios se estabilizam de forma mais sólida”, aponta a dermatologista Patrícia Gutierrez, da Clínica Sanjuan.
O consumo frequente ou excessivo de álcool também pode levar ao desenvolvimento ou agravamento de algumas doenças dermatológicas, alerta a especialista. “A psoríase, dermatite seborreica, rosácea, eczema numular, pelagra e púrpura pigmentosa crônica são algumas das condições que podem ser desencadeadas ou pioradas pelo excesso de álcool. Além disso, a presença de sinais cutâneos como vermelhidão facial, dilatação de capilares da derme, vermelhidão palmar e pontos esbranquiçados nas unhas podem indicar o abuso de álcool”, ressalta. O consumo excessivo de álcool pode ainda diminuir a imunidade, o que aumenta a incidência de infecções fúngicas nas unhas e de pitiríase versicolor, conhecida popularmente como “pano branco”.
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Saúde mental melhora, mas sociabilização pode diminuir
De acordo com a psicanalista Paula Goulart, o consumo excessivo de bebidas alcoólicas pode afetar as relações sociais, amorosas e familiares de uma pessoa. Por isso, ao decidir deixar de beber, é importante avaliar a conduta em todos esses aspectos.
“Ao abrir mão do uso do álcool será necessário rever não apenas o consumo da substância, mas também a conduta que se tem frente às relações sociais, amorosas e familiares”, afirma. Para fazer essa transição de forma mais tranquila, ela recomenda o apoio psicológico para identificar quais são as opções frente aquilo que tornava a bebida uma resposta tão eficiente e passou a ocupar tanto espaço.
A psicanalista Paula Goulart explica como não perder amizades com adeus ao álcool (Foto: Divulgação) |
No entanto, a psicóloga alerta que a escolha de deixar de consumir bebida alcoólica pode trazer outras dificuldades e necessidades que, até então, o indivíduo não se dava conta.
“Isso pode trazer mudanças na forma de se relacionar com a família, amigos e colegas de trabalho. Então, apenas deixar de consumir álcool sem explorar outras formas de socialização, pode acabar trazendo dificuldades”, explica Paula.
Ela ainda ressalta que é importante ter clareza do que motivou a decisão de parar de consumir álcool, para que seja possível lidar com a vontade de voltar a beber e também identificar qual o lugar do álcool na sua vida, nas relações sociais e o que desperta o desejo de beber. “Sem identificar melhor o que causa essa vontade é mais difícil lidar com essa escolha e suas consequências”, destaca.
A especialista também destaca que a bebida alcoólica faz parte da vida cotidiana, como signo de divertimento, relaxamento e até como elemento facilitador de encontros românticos. Por isso, é importante refletir sobre as mudanças que serão necessárias para se adaptar a uma nova rotina sem álcool. “A escolha de deixar de consumir bebida alcoólica, apesar de beneficiar a saúde física diretamente, pode revelar outras dificuldades e necessidades”.
A especialista também destaca que a bebida alcoólica faz parte da vida cotidiana, como signo de divertimento, relaxamento e até como elemento facilitador de encontros românticos. Por isso, é importante refletir sobre as mudanças que serão necessárias para se adaptar a uma nova rotina sem álcool. “A escolha de deixar de consumir bebida alcoólica, apesar de beneficiar a saúde física diretamente, pode revelar outras dificuldades e necessidades”.
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5 benefícios de diminuir o consumo de álcool, de acordo com especialistas
- Melhora do sono: O álcool pode atrapalhar o sono REM, que é importante para o descanso e a recuperação do corpo. Diminuir o consumo pode levar a uma melhora na qualidade do sono.
- Redução do risco de câncer: O álcool está relacionado a um maior risco de câncer de mama, fígado, cólon e outros tipos de câncer. Diminuir o consumo pode reduzir esse risco.
- Saúde mental: Embora muitas pessoas usem o álcool para lidar com o estresse e a ansiedade, ele pode acabar piorando esses problemas a longo prazo. Diminuir o consumo pode levar a uma melhora da saúde mental e do bem-estar emocional.
- Aumento da energia: O álcool é um depressor do sistema nervoso, o que pode deixar as pessoas cansadas e sem energia. Diminuir o consumo pode levar a um aumento na energia e disposição.
- Melhora da função hepática: O fígado é responsável por metabolizar o álcool e pode sofrer danos se sobrecarregado com o consumo excessivo. Diminuir o consumo pode levar a uma melhora na função hepática e redução do risco de doenças hepáticas.