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Lira vence queda de braço com o governo e mostra a força do Centrão

Em meio às tratativas para aprovação do arcabouço fiscal na Câmara, o político alagoano recebe apoio de líderes partidários e é considerado exemplo de interlocutor

ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA/FOTOARENA/ESTADÃO CONTEÚDO – 05/06/2023

Arthur Lira assumiu a presidencia da Câmara em fevereiro de 2021

A votação do arcabouço fiscal foi novamente adiada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), por falta de “clima” para que a matéria seja colocada em plenário. Inicialmente, a expectativa era que a definição ocorresse ainda no início de agosto. No entanto, as declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), sobre o poder excessivo da Câmara e as dificuldades de negociação caíram como um “balde de água fria” nos planos dos líderes do Palácio do Planalto, criando um mal-estar difícil de ignorar. Em entrevista coletiva, Arthur Lira admitiu que lideranças partidárias ficaram “surpresas” com as falas de Haddad sobre a Casa. “Foi inapropriado, talvez um relaxamento excessivo (de Haddad). Penso que os deputados e líderes não gostaram”, disse o político alagoano. Ele chegou afirmar que a Câmara dos Deputados não seria “irresponsável” com temas de interesse do Brasil, em uma tentativa de minimizar a relação entre o adiamento da votação e as críticas do ministro. Entretanto, na prática, não é a primeira vez que desafetos, falas polêmicas e desencontros com Arthur Lira travam a pauta e colocam em “banho maria” temas essenciais para o Executivo. No primeiro semestre, em diversas ocasiões o governo se viu refém da vontade e da inegável força política de Lira. Um exemplo foi a aprovação da MP da Esplanada dos Ministérios, considerada a matéria mais visceral para a organização do terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Na época, após a liberação recorde de emendas e das negociações diretas entre os políticos, Lula reconheceu que o Planalto correu o risco de sofrer uma dura derrota. Outros momentos incluem a aprovação do projeto de decreto legislativo (PDL) que derruba os decretos que alteraram as regras do Marco Legal do Saneamento Básico; o adiamento do PL das Fake News e o Marco Temporal das Terras Indígenas, episódios que escancaram a influência de Lira, mas também a relação de dependência do Executivo. “Lula sabe que não pode arriscar não buscar algum diálogo com Arthur Lira. Caso contrário, perderia imediatamente qualquer possibilidade de ter maioria para aprovação de projetos. E todos os presidentes que se mantiveram no cargo e tiveram estabilidade política foram aqueles que se renderam à força dos poderes locais do Brasil representados no Congresso”, avalia o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Ele lembra, inclusive, que o “poder de Lira” é fruto do ex-deputado e ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, preso em 2016 no âmbito da Operação Lava Jato. Segundo o cientista político, essa herança é derivada da capacidade do Centrão de articular seus próprios interesses junto ao Planalto.

“Lira é um porta-voz direto dos interesses regionais de membros do Centrão. Isso cria algumas facilidades: dialogar com o presidente, conseguir mais cargos, verbas parlamentares para os seus projetos regionais. Arthur Lira, de algum modo, concentra e converge diferentes interesses na sua pessoa, a partir disso ele consegue determinar quais projetos serão não aprovados ou terão votos. Ele acaba se transformando no manda-chuva do Centrão”, detalha Ramirez. Embora a comparação de Lira e Cunha se torne impossível de ignorar, seja pelo apadrinhamento político ou pela influência, o cientista político afirma que há grandes diferenças entre ambos. ” Eduardo Cunha tinha investigações na Lava Jato, o que de fato prejudicou bastante, levando à cassação e depois à prisão. Já Arthur Lira, as únicas denúncias vêm do seu rival no Alagoas, que é o Renan Calheiros e que representa uma outra ala do centro. Nós não vemos, por exemplo, o STF aprofundar investigações em relação à Lira”, comenta.

Em conversa com o site da Jovem Pan, aliados do presidente da Câmara também negam que ele seja ou corra o risco de se tornar, o “novo Cunha”. “Ele sabe até onde ele pode ir politicamente. Tem uma liderança muito segura na Câmara, prova disso foi a sua eleição”, disse um interlocutor, citando a reeleição histórica do político alagoano com 464 votos. À reportagem, o deputado federal José Nelto (PP-GO) defendeu que a principal diferente para Eduardo Cunha é que Arthur Lira “tem o respaldo dos líderes” e sabe os limites e a separação dos Poderes. “Eduardo Cunha vivia extorquindo a República. Nós vivemos um novo momento político. É o momento em que o Poder Legislativo avança, começou com o Bolsonaro, que não governava o país. E quando há um vácuo, alguém tem que assumir esse vácuo. O Poder Legislativo começou a assumir com o presidente Rodrigo Maia, e Arthur Lira deu continuidade nesse fortalecimento do Legislativo”, disse o parlamentar.

Em análise semelhante, Paulo Niccoli detalha que a grande diferença de Arthur Lira é que ele “aperfeiçoou” a liderança do Centrão. Embora a posição de presidente da Câmara já assegure um poder e influência, o cientista político pondera que “há mais poder de Lira” que os presidentes anteriores, uma vez que o alagoano soube se aliar mutuamente a políticos da direita radical e moderada, como aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e caciques históricos do Centrão, assim como da esquerda, que é o caso dos líderes de Lula — o que se traduz em poder e influência. “Arthur Lira é um grande articulador. A gente pode até usar um termo maquiavélico, não no sentido de maldade, mas de ser calculista. De medir o seu poder em relação ao Executivo e a regimentar cada vez mais parlamentares a fim de atender os seus interesses dos parlamentares, assim como os próprios, de aumentar o poder. Podemos dizer perfeitamente que, no Brasil, quem manda desde a saída de Rodrigo Maia da presidência da Câmara, quem tem mair poder no Brasil é Lira”, conclui o cientista político.

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