Nos últimos anos, o Brasil tem testemunhado uma transformação demográfica à medida que a taxa de fecundidade, número médio de filhos que uma mulher tem ao longo da vida, continua a declinar. Esse fenômeno, demonstrado por especialistas e pesquisas de intituições como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Banco Mundial, reflete mudanças nas preferências familiares, avanços na educação e acesso à saúde, assim como a evolução dos papéis de gênero na sociedade, e tem deixado uma marca significativa na estrutura populacional do país.
Há pouco mais de 60 anos, ser mãe de seis filhos significava estar dentro da média para o padrão reprodutivo no Brasil. Atualmente, quem está dentro da média é a mulher que tem entre um e dois filhos.
Segundo dados do Banco Mundial, em 1960 o Brasil tinha uma média de 6,06 nascimentos por mulher. Já em 2020, o número chegou a 1,65, representando uma queda de cerca de 72%.
Veja o gráfico abaixo:
Mudanças na sociedade
A crescente disponibilidade de métodos contraceptivos e informações sobre planejamento familiar tem permitido que os casais escolham o momento e o número de filhos que desejam ter. Isso contribui para o controle da natalidade e para a busca por uma paternidade/maternidade mais consciente.
A urbanização acelerada também traz mudanças no estilo de vida da sociedade. Nas áreas urbanas, as pessoas estão se deparando com desafios econômicos, como altos custos de moradia e criação dos filhos. Esses fatores podem desencorajar a formação de famílias maiores.
Helaine Albuquerque, de 35 anos, psicóloga clínica e hospitalar, vem de uma família grande. A avó teve dez filhos, a mãe teve três, e ela, somente um. Segundo Helaine, tomar a decisão sobre a quantidade de filhos é bem mais fácil hoje em dia.
“Temos muito acesso à informação e liberdade de expressar para o nosso companheiro aquilo que nos incomoda. Um dos motivos de tomar essa decisão foi a falta de liberdade. Ao ter filhos, temos que dedicar muita energia, tempo e dinheiro. A pandemia nos deu uma lição: não é só ter filhos. Temos que educar, alimentar e ainda garantir uma qualidade de vida que eu já tenho e não quero perder.”
Helaine Albuquerque
Helaine Albuquerque quer focar no lado profissional e não deseja ter outra gestação. Hugo Barreto/Metrópoles
Helaine Albuquerque e família
Helaine é casada há 13 anos. Ela e o marido decidiram não ter mais filhos. Hugo Barreto/Metrópoles
Helaine Albuquerque e filha
Quando a filha de Helaine pediu um irmão, ela explicou que não estava preparada para ter outro bebê. Hugo Barreto/Metrópoles
O maior acesso à educação e as oportunidades profissionais para as mulheres têm influenciado diretamente nas escolhas reprodutivas. Elas estão optando por investir em suas carreiras e adiar a maternidade, levando a um menor número médio de filhos e uma redução na proporção de mulheres em idade fértil.
A estudante de psicologia Tais Oliveira, de 22 anos, explica que a futura carreira faz com que ela opte por não querer viver a maternidade. “Atualmente estou em uma relação heterossexual. Se eu viesse a ter filhos, mesmo que o pai dividisse as obrigações socialmente, o maior peso ainda seria voltado para mim. Não quero carregar esse julgamento durante toda a minha vida, quero viver para mim. Quero ter liberdade para reinventar o meu futuro.”
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Para Tais Oliveira, a decisão de não ter filhos se alinha com seus objetivos pessoais e profissionais. Arquivo pessoal
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O namorado de Tais concorda com a decisão de não ter filhos. Arquivo pessoal
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Tais valoriza sua liberdade e autonomia, por isso não deseja ter filhos. Arquivo pessoal
Desafio para a economia
A queda da taxa de fecundidade no Brasil traz consigo implicações econômicas que podem impactar diversos setores da sociedade. Uma das primeiras consequências é o potencial desequilíbrio na relação entre a população em idade ativa e a população idosa.
Ciro de Avelar, mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB), explica que, com uma base demográfica menor de jovens, a força de trabalho diminui, e, consequentemente, acarreta a escassez de mão de obra em determinados setores. Isso, por sua vez, pode influenciar negativamente o crescimento econômico, a produtividade e a capacidade de competir globalmente.
Com menos nascimentos, a população idosa tende a aumentar em relação à população em idade ativa, resultando em desequilíbrios nos sistemas de seguridade social. Menos contribuintes para o sistema previdenciário podem sobrecarregar os recursos disponíveis, tornando a sustentabilidade das aposentadorias e benefícios mais desafiadora.
“A conta começa a ficar mais deficitária. É uma perspectiva muito perigosa, não se sabe se a previdência social conseguirá ser custeada a médio e a longo prazo”, diz Avelar.
Projeções futuras
Segundo Marcio Minamiguchi, gerente de Estimativas e Projeções da População do IBGE, projetar o futuro é “desafiador”, visto que a fecundidade nacional fica abaixo de 2,1 filhos por mulher, sinalizando que o país não se encontra no patamar essencial para garantir que a população siga crescendo a longo prazo.
O Brasil, atualmente, possui uma taxa de fecundidade em torno de 1,6 filho por mulher, e as projeção da ONU e do IBGE preveem uma estabilidade para as próximas décadas. Mas o número de nascimentos tende a continuar em queda. O efeito será uma população envelhecida e diminuindo de tamanho ano a ano.
Como pessoas de idades diferentes possuem demandas diferentes em termos de políticas públicas, o balanço dessas demandas muda também, tendo as áreas de saúde, cuidados e previdência social com maior peso no futuro.
“O envelhecimento está ocorrendo de forma rápida, no prazo de poucas décadas teremos uma sociedade bastante diferente, assim como a sociedade de poucas décadas atrás é diferente dessa”, explica Minamiguchi.