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Capiba: um talento universal (por Gustavo Krause)

Descontados o ufanismo e a mania pernambucana de grandeza, “Pernambuco tem uma dança que nenhuma terra tem”. É o primeiro verso da letra que termina com “É frevo meu bem” de Capiba, um gênio pernambucano de talento universal.

Nasceu em Surubim (1904-1997), município do agreste, conterrâneo do grande Chacrinha. Na pia batismal recebeu o nome de Lourenço da Fonseca Barbosa. Herdou o carinhoso apelido do avô, sinônimo de “jumento teimoso”, sabe-se lá por quê. A história demonstrou que o tempo lhe deu o rosto de irmão, pai, do amigo querido que a gente gostaria de ter.

Veio ao mundo, também, um ser musical que, aos oito anos tocava trompa e vários instrumentos de sopro; aos dez participava de saraus. Precocemente, aprendeu piano o que lhe rendeu uma emprego no cine Fox, em Campina Grande; com vinte anos era o pianista do cinema Rio Branco, em João Pessoa, para onde fora para estudar no Liceu.

A biografia de Capiba é uma extensa e linda saga. Formou-se em Direito e funcionário concursado no Banco do Brasil, o precoce e versátil Capiba (jogou no campinense e era torcedor apaixonado pelo Santa Cruz) garantiu o seu sustento, ao lado da meiga Zezita Barbosa com quem casara em 12 de outubro de 1931.

Pôde se dedicar à irresistível e abençoada vocação: a música.

Para os que imaginam Capiba como o maior compositor de frevo, é importante salientar que sua primeira composição foi uma valsa (Meu destino) e o primeiro prêmio foi um tango: “Flor, as ingratas”. Sua obra é um precioso acervo criador de mais de duzentas composições: sambas, maracatus, valsas, cirandas mais de cem frevos e músicas eruditas. Com parcerias de consagrados poetas, compositores e cantores.

Tive a sorte de conhecê-lo e ser recebido afetuosamente na sua casa, Rua Barão de Itamaracá, pelas mãos do amigo de infância, Leonardo Dantas Silva, notável historiador e pesquisador da cultura pernambucana com densa obra sobre nossas manifestações culturais e do período holandês no Brasil. Na minha gestão como Prefeito (1979-1982), chefiou a Fundação de Cultura e cumpriu uma agenda de projetos marcantes.

Com frequência. eu escutava os ícones da cultura Pernambucana: o poder é um ofício do aprender, especialmente com aqueles contruíram nossa História. Uma das razões porquê prucurei Capiba foi uma dúvida: nós criamos “o projeto ciranda” que semanalmente apresentava a banda e a orquestra de frevo nos bairros do Recife, inclusive os bairros mais periféricos, as favelas.

Queria, incluir Orquestra Sinfônica. Não era um consenso na equipe. Aproveitei e pedi a opinião de Capiba que, com sabedoria, humor e um sotaque inconfundível, ensinou: “Prefeito: o macaco só come banana porque só dão só dão banana para ele comer. A Música erudita ou popular se for boa o povo vai gostar e pedir mais”. Não deu outra: silêncio, respeito, aplauso e inclusão no projeto.

Pois bem, este personagem histórico foi homenageado no mês de setembro por uma admirável organização – Arial Social – que na celebração dos trinta anos levou aos palcos o Musical “Capiba – Pelas Ruas Eu Vou”.

Eu fui. Minha família, também, na apresentação nos dias sete e oito de setembro do ano em curso. São três décadas que, sob a liderança de Cecília Brennand, Aria Social ao lado de competente e dedicada equipe, pratica pelos luminosos caminhos da Educação pela Arte, o Bem e o Belo.

No Teatro do Parque Dona Lindu, senti a emoção da Dança, para mim a Arte/Síntese porque dá expressão corporal e real a todas as manifestações artísticas.

No caso da obra eclética de Capiba, vi, ouvi e senti o “passo”, a coreografia anarco-individualista do frevo que nas palavras de Mário Sette se expressa na “massaroca do povo, num remexido incessante, numa onda perene […] pernas que se arqueiam, se verticalizam, pés que se juntam e se distanciam, braços que angulam e se amoldam, bocas que se escancaram e se trancam; torsos que se espigam e se flexionam, seios pontudos que se projetam em promessas e se retraem em negaças […] cabeças que se bamboleiam, como se estivessem atingidos de cócegas”.

Mas não foi só o frevo. Maracatu, mais que ritmo, é nação, tem Rei, Rainha, séquito que desfilam ao som do batuque, batida do coração negro que estronda de saudade da África. Segue o espetáculo de mãos dadas na malemolência suave das ondas do mar – a ciranda, solidária, só menos solene e sagrada do que a Missa Armorial.

Aria Social faz sorrir de alegria, sentir nostalgia, chorar de saudade, mas no abraço do afeto, humano, todo dia, transforma vidas, expande capacidades oferecendo a verdadeira liberdade que é ampliar as oportunidades para incluir pessoas.

Assim, Aria Social cumpre seu destino de oferecer o Bem, o Belo e o Justo.

Gustavo Krause foi ministro da Fazenda

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