Foto: Agência Brasil/Arquivo
Avaliação é que plano brasileiro é positivo, mas cumprimento de promessas será acompanhado de perto 18 de novembro de 2023 | 13:00
O mercado financeiro internacional vê com bons olhos a agenda verde do Ministério da Fazenda, mas acredita que o Brasil pode ser mais ambicioso. Há, ainda, uma preocupação que vai além da dúvida sobre a efetivação dos objetivos propostos: a eleição de 2026.
Por serem investimentos de maturação longa e com enfoque no impacto ambiental e social, o temor é que, a depender de quem ocupar o Planalto a partir de 2027, ocorra uma reviravolta nas diretrizes atuais —medo fundamentado pela gestão Jair Bolsonaro (PL).
A estreia do Brasil nesse palco ocorreu na segunda-feira (13), com a primeira emissão soberana de títulos sustentáveis. Em uma amostra do apetite externo, 75% dos US$ 2 bilhões levantados vieram da Europa e da América do Norte.
A demanda total foi de US$ 6 bilhões. A taxa de retorno ficou em 6,5%, abaixo dos 6,8% previstos inicialmente, em outra evidência do interesse externo.
Um roadshow internacional, capitaneado pelo assessor especial da Fazenda Rafael Dubeux, precedeu a emissão.
Foram 36 reuniões com 60 fundos de investimento, segundo o ministro Fernando Haddad, que aproveitou a Assembleia-Geral da ONU em setembro, em Nova York, para divulgar seu plano verde a investidores estrangeiros.
“O Brasil é a economia da natureza mais importante do mundo. Se o Brasil errar, nós todos erramos. Isso obviamente tem a ver com a Amazônia, mas também com o país ser a principal fonte de soja e carne da China”, afirma Simon Zadek, presidente-executivo da NatureFinance, organização que auxilia governos na emissão de títulos verdes, e que participou de uma das reuniões com o ministro nos EUA.
Zadek faz uma avaliação positiva do plano de transição ecológico apresentado pela Fazenda, do qual os títulos verdes são um dos carros-chefe.
“É uma estratégia que entende o contexto, é inteligente sobre tecnologia, cadeias de valor global e ambiente competitivo internacional, e quais são os ativos brasileiros”, diz ele.
O fato de o plano ser mais genérico, sem especificar projetos específicos em que os recursos serão usados, está em linha com a evolução do mercado, diz Kaan Nazli, responsável por mercados emergentes da gestora Neuberger Berman, com mais de US$ 440 bilhões em ativos. O grupo foi um dos participantes de um encontro com investidores com Haddad nos EUA.
Ele destaca o enfoque no combate ao desmatamento, o que diferencia a estratégia brasileira da de outros planos, que tendem a tratar sobretudo de transporte, e que reflete melhor o perfil de emissões do país. “Mas nós ainda precisamos ver a prova, onde o dinheiro será realmente gasto”, completa.
Isso é importante porque, em face do ainda alto nível de emissões, o Brasil hoje causa prejuízo para um portfólio voltado para sustentabilidade.
“Como investidor, você precisa justificar uma trajetória que projete as emissões caindo. É nesse contexto que os títulos verdes aparecem, é um instrumento que claramente diz isso”, afirma.
“As primeiras emissões do Brasil vão ser vistas com esse benefício da dúvida. Depois, quando o mercado tiver uma noção melhor do que está acontecendo em campo, você verá uma atitude mais crítica.”
Zadek ressalta que a atenção do mercado internacional também está voltada para a própria sobrevivência política do plano após o próximo ciclo eleitoral.
“Se for o Lula ou outra pessoa, isso não é o meu ponto. A questão é a continuidade dessa visão. Os investidores estão tentando entender se Lula consegue atravessar os próximos dois anos garantindo a continuidade dessa trajetória no longo prazo”, afirma.
Zadek vê uma oportunidade perdida em termos políticos e econômicos na escolha pelo governo pela emissão de títulos verdes —são “vanilla bonds”, diz ele, jargão do mercado para instrumentos simples, que não reduzem o custo efetivo de capital no país.
Isso porque os títulos emitidos na última segunda se limitam a um compromisso do governo de gastar os recursos levantados para financiar iniciativas ambientais e sociais, como controle de emissões de gases do efeito estufa e combate à pobreza.
Para garantir que a promessa será cumprida, o Brasil se compromete a prestar contas desses gastos —o primeiro relatório deve ser publicado em um prazo de 12 meses.
Já há no mercado, no entanto, outros instrumentos mais sofisticados.
Chile e Uruguai, por exemplo, lançaram no ano passado títulos verdes conhecidos como SLBs, que preveem metas claras que, se não forem cumpridas, preveem uma espécie de punição na forma de alteração da taxa de retorno do investimento. Se forem excedidas, pode ser previsto um prêmio ao emissor.
Em uma tentativa de matar dois coelhos com uma cajadada só, há ainda as operações conhecidas como “dívida por natureza”, já testadas por Barbados, Belize e Equador. Grosso modo, elas permitem que o emissor refinancie dívidas caras por mais baratas. Nesses três países, a contrapartida foi o compromisso de usar recursos para a proteção marinha.
“Se Lula puder mostrar que sua ação na Amazônia está levando a uma redução significativa no serviço de pagamento da dívida, isso vai ser visto como exercício de disciplina fiscal, não apenas uma atuação para preservar a Amazônia”, argumenta Zadek.
Uma emissão do tipo foi sugerida a Haddad na reunião em Nova York, diz o presidente da NatureFinance.
Segundo ele, uma equipe sua está no Brasil trabalhando com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) para pensar como esses instrumentos associados à dívida podem ser usados de modo mais efetivo na América Latina.
Uma outra alternativa de financiamento para a agenda verde é via instituições multilaterais, como o Banco Mundial, o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o próprio BID. O tema vem ganhando espaço nos fóruns, e Haddad já falou que esse direcionamento vai ser uma das prioridades da presidência brasileira do G20, que começa no próximo mês.
A ideia é que os organismos sejam capitalizados e disponibilizem linhas específicas para países em desenvolvimento bancarem seus projetos de transição energética e combate à crise climática, reduzindo a assimetria com os países desenvolvidos, que têm espaço fiscal para financiarem suas iniciativas.
“Eu vejo essa vontade pelo lado dos Estados Unidos, de encontrar maneiras que não existem na arquitetura dos sistemas de assistência para oferecer recursos que realmente ajudem os governos a entregar”, afirma Heloisa Griggs, diretora-executiva interina da Open Society para América Latina e Caribe, e que também esteve nas reuniões com Haddad.
Fernanda Perrin, Folhapress