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O presidente Lula (PT) com o ministro da Educação, Camilo Santana 29 de novembro de 2023 | 16:56
O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) articula um acordo com membros do Congresso Nacional para limitar a R$ 6 bilhões o valor a ser aportado em 2023 no fundo privado criado para bancar o incentivo financeiro à permanência de alunos no ensino médio.
A trava está sendo negociada no âmbito do projeto de lei complementar que autoriza o repasse fora do limite de despesas vigente neste ano. O texto está na pauta do plenário do Senado desta quarta-feira (29).
A articulação se dá após críticas de técnicos do Executivo e economistas de fora do governo, que viram na iniciativa um risco de contabilidade criativa por meio da antecipação de gastos de anos futuros ou da exclusão de uma política pública do Orçamento.
Segundo os relatos, o governo calcula precisar de cerca de R$ 7 bilhões anuais para custear a poupança dos alunos de ensino médio que estão em famílias contempladas pelo Bolsa Família. Como a dotação do MEC (Ministério da Educação) para 2024 já reserva R$ 1 bilhão, a necessidade adicional para a largada do programa seria de R$ 6 bilhões.
Membros do governo reconhecem a conveniência de usar o espaço disponível de R$ 10 bilhões dentro da meta fiscal de 2023 para antecipar um gasto que, mantido em 2024, colocaria pressão sobre o alvo de déficit zero fixado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). Mas a trava seria um compromisso de que não haverá interferência na despesa dos anos seguintes.
Os aportes de 2025 e 2026, também na casa dos R$ 7 bilhões em cada ano, constarão nos respectivos Orçamentos, de acordo com interlocutores do governo. A soma alcançaria o limite de até R$ 20 bilhões previsto na MP (medida provisória) assinada por Lula.
O texto diz que a integralização dos valores pode ser feita com recursos do Orçamento, ações de empresas estatais federais ou empresas nas quais a União tenha participação minoritária.
A reportagem apurou, no entanto, que o Executivo não tem a intenção de usar ações de empresas para integralizar cotas no fundo de apoio aos alunos do ensino médio. O expediente já foi usado no passado para abastecer o fundo garantidor do Fies, gerando problemas posteriores devido à baixa liquidez de alguns desses ativos.
Segundo um técnico, não há “nenhuma expectativa” dentro do governo de fazer o aporte com ações, justamente pelas características do programa. Um depósito em poupanças direcionadas a estudantes de baixa renda demandará liquidez de recursos.
A avaliação nos bastidores é que o dispositivo que autoriza o uso das ações de empresas foi incluído por “questão de praxe”, uma vez que ele é comum em leis que tratam da criação de fundos de governo. Dado o ruído gerado pela iniciativa, membros do governo não veem prejuízos na exclusão desse dispositivo, caso o Congresso julgue mais adequado.
A edição da MP gerou desconforto entre técnicos da área econômica, para quem o formato pode ter impactos negativos na gestão fiscal. A visão é compartilhada por agentes do mercado, que temem uma fragilização de regras —inclusive do novo arcabouço fiscal, recém-aprovado e que começará a vigorar no ano que vem.
O ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall, sócio-fundador da Oriz Partners, vê uma série de pontos questionáveis na proposta. “Acho que, infelizmente, tem aqui um cheiro do uso da contabilidade criativa, e preocupa o fato de se estar criando algo que possa estar em desacordo com a Constituição”, afirma.
O primeiro problema, segundo ele, é a tentativa de tirar uma política pública do alcance do novo arcabouço fiscal, aprovado este ano e que começará a valer a partir de 2024. Embora não haja exclusão formal da ação, a antecipação de uma parte do aporte para o ano de 2023 tem efeito semelhante na prática.
“Há uma clara intenção de postergar receitas que poderiam ocorrer este ano para o ano que vem e antecipar despesas. É o subterfúgio da pedalada”, critica Kawall. “Se quero melhorar hoje, jogo pra amanhã. Se quero melhorar amanhã, jogo para hoje. É girar o pedal da bicicleta para trás em vez de para frente, mas não é uma boa coisa.”
Outro alvo de críticas é a possibilidade de fazer aportes no fundo por meio de ações de empresas, operação que sequer seria registrada no Orçamento. Kawall questiona se a manobra poderia se enquadrar na vedação do artigo 167 da Constituição Federal, que proíbe o início de programas ou projetos fora da Lei Orçamentária.
“Como vai fazer um programa que é por meio de um fundo, com aporte de ações, e não aparece na despesa? Deixo registrada essa dúvida”, diz.
Técnicos da área econômica também manifestam discordâncias em relação ao texto, diante da avaliação de que o Orçamento deve registrar todas as receitas e despesas, para evitar uma erosão das regras fiscais.
Segundo relatos colhidos pela reportagem, a criação do fundo privado foi discutida inicialmente pela Casa Civil e pelo Ministério da Fazenda. Posteriormente, o MEC (Ministério da Educação) ingressou nos debates desse ponto específico. O Ministério do Planejamento e Orçamento foi ouvido apenas informalmente, de acordo com pessoas a par das tratativas.
O principal argumento para optar pelo modelo de fundo, segundo interlocutores, é o princípio do programa de oferecer uma poupança aos alunos de baixa renda —ainda que haja alguma periodicidade de saques. O modelo seria diferente de um benefício social, pago mensalmente e cuja folha poderia ser rodada dentro do próprio Orçamento.
Manter o programa sob a gestão direta do governo poderia ser visto como um precedente de descentralização de benefícios sociais, o que essa ala vê como contraproducente após o esforço feito pela unificação de programas no Bolsa Família.
Na visão do governo, o cenário ideal é constituir o fundo ainda em 2023, para que o próximo ano letivo já comece com a garantia do incentivo aos alunos.
Idiana Tomazelli/Folhapress