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Batalha jurídica do marco temporal continua após vetos derrubados

Foto: Rosinei Coutinho/Arquivo/SCO/STF

Plenário do STF 14 de dezembro de 2023 | 20:16

A derrubada no Congresso de vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao projeto de lei que institui a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas não encerra a batalha jurídica sobre o tema.

O capítulo mais recente da disputa entre Legislativo e Judiciário sobre aconteceu nesta quinta-feira (14), com a rejeição do veto ao principal ponto do projeto, enquanto outros foram mantidos. Segundo a ideia do marco temporal, considerado inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal), indígenas só teriam direito à terra que ocupavam em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.

Agora, o texto segue para promulgação de Lula. Caso o mandatário não o faça em até 48 horas, a tarefa fica para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e vira lei. O caminho mais provável, no entanto, é a judicialização, apontam especialistas ouvidos pela Folha.

Os próximos embates já estão anunciados e contam com a participação do governo federal. A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, disse nesta quinta que o governo vai acionar a Advocacia-Geral da União para propor ao STF uma ação direta de inconstitucionalidade. A bancada ruralista, por outro lado, afirmou que deve aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) —protocolada em setembro no Senado— caso o Supremo volte a tratar do tema.

Outros partidos podem propor ações semelhantes à anunciada pela ministra, e a tendência é que o Supremo siga a tese aprovada em setembro. “Já há uma decisão prévia”, afirma Emilio Meyer, professor de direito constitucional da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

Para o pesquisador, uma eventual PEC também poderia ser considerada inconstitucional, por tratar de um direito considerado fundamental pela Constituição, que não poderia ser limitado por ter a característica de cláusula pétrea. É o que também afirma Vera Chemin, advogada constitucionalista e mestre em administração pública pela FGV (Fundação Getulio Vargas) São Paulo.

Ela cita um exemplo da pandemia de Covid-19, quando houve restrições à realização de cultos religiosos presenciais durante fases mais graves. “O direito fundamental à saúde, à vida, prevaleceu sobre o livre exercício dos cultos religiosos. Mas perceba que não se mexeu no núcleo do direito, que é a liberdade de crença.”

Assim, se um efeito do marco temporal for entendido como limitante do direito fundamental de indígenas às terras, será considerado inconstitucional, afirmam Chemin e Meyer.

O questionamento no STF também pode ser feito a uma PEC, assim como a um projeto de lei ou a uma lei aprovada, diz Flávio de Leão Bastos, professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Por se tratar de um tema constitucional, diz ele, a PEC seria o caminho mais correto do ponto de vista hierárquico da Constituição.

Mas a proposta esbarraria na cláusula pétrea do direito de indígenas à terra. “A demarcação de terras indígenas é uma cláusula pétrea porque é claramente uma garantia de existência desses povos”, afirma o pesquisador, que também coordena o núcleo de direitos indígenas e quilombolas da comissão de direitos humanos da OAB-SP.

Bastos cita ainda o princípio do pluralismo político previsto na Constituição. “Significa a multiculturalidade, a convivência de ideias distintas. Todos os referenciais culturais dos povos que compõem o processo civilizatório brasileiro devem ser respeitados, e mão existe cultura indígena sem terra indígena tradicional demarcada. Me aprece uma afronta gritante contra as cláusulas pétreas.”

Os próximos movimentos representam, para Chemin, o agravamento de uma situação que poderia ter sido mitigada com a demarcação das terras indígenas no país em até cinco anos após a promulgação da Constituição, em 5 de outubro de 1988.

“A confusão está maior. É mais complicado, tem que tirar os supostos invasores e indenizar. Como se chega a um valor justo?” Soma-se a isso, diz ela, uma mudança de entendimento dentro do próprio Supremo em relação à decisão da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2009, quando a tese apareceu. “Além de mudar a interpretação, ainda pediram que a União colocasse em prática um plano para a desintrusão de invasores no Pará.”

O cenário previsto por Chemin é de mais judicialização, incluindo indenizações, e reflete uma rivalidade entre Legislativo e Judiciário. “O que acontece é grave insegurança jurídica e instabilidade institucional. Manda a União fazer [a desintrusão e a demarcação] e, ao mesmo tempo, o Legislativo reage depois de ter se omitido.”

Para Meyer, da UFMG, a coerência é fundamental na corte, além de ser exigência do Código de Processo Civil, mas os entendimentos podem mudar. “Não significa que a corte não tenha a chance de corrigir aquilo que venha a considerar como erros do passado.” Segundo o professor, a mudança em relação ao caso da Raposa Serra do Sol —que não teve repercussão geral, com efeito para todas as decisões futuras— é indicativo disso. “Não impede que o Supremo considere, até para preservar a segurança jurídica, retrabalhar questões sobre as quais já decidiu.”

Lucas Lacerda/Folhapress

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