Não é sobre a mãe do condutor do Porsche que matou o motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, de 52 anos, na madrugada do último domingo na cidade de São Paulo. Afinal, mãe é mãe.
É sobre a conduta dos policiais civis que chegaram ao local do acidente e deixaram que Daniela de Medeiros Andrade levasse seu filho, Fernando, de 25 anos, para casa sem mais nem menos.
Ninguém é obrigado a fazer o teste do bafômetro. Mas os policiais estavam obrigados a levar Fernando para uma delegacia, salvo se ele estivesse ferido e precisasse de atendimento médico.
Não era o caso. Ele apenas mancava e parecia bêbado. Acionou a mãe pelo celular e ela foi buscá-lo. Daniela disse aos policiais que levaria o filho para exames no hospital São Luiz. Levou-o para casa.
Não é apenas sobre o comportamento dos policiais que se limitaram a anotar o nome de Fernando e o número do seu celular. Fernando só se apresentou à Polícia Civil mais de 30 horas após a batida.
Ele e a mãe agiram de forma “a tentar se furtar da aplicação da lei penal”, segundo parecer da promotora Monique Ratton, da 6ª Promotoria de Justiça da Primeira Vara do Júri da Capital.
Fernando não foi autuado em flagrante, não fez exame toxicológico e não passou por audiência de custódia. Não bastasse, é também sobre a decisão da juíza Fernanda Helena Benevides Dias.
Com atraso, sob pressão da opinião pública, a polícia indiciou Fernando por homicídio com dolo eventual, lesão corporal e fuga do local do acidente. E pediu sua prisão temporária. A juíza negou o pedido.
Ela alegou que o pedido da polícia não atendeu aos requisitos mínimos para que se decrete prisão temporária: o acusado não ter endereço conhecido, atrapalhar a investigação e responder a crime grave.
Se não é crime grave o ato de dirigir muito acima da velocidade permitida e assim matar uma pessoa, é o quê? Se fugir do local não é atrapalhar a investigação de um acidente, seria o quê?
Em agosto de 2022, na zona norte da capital paulista, um homem foi flagrado roubando de um supermercado um litro de conhaque, duas garrafas de vodka e dois desodorantes. Os seguranças do supermercado o prenderam.
A juíza Fernanda Helena Benevides Dias, que tem fama de rigorosa na aplicação da lei, manteve a prisão do homem. Fernando é sócio do pai em uma empresa que administra 19 imóveis.
Se a mãe de Fernando morasse em um bairro pobre de São Paulo; se ao invés de um Porsche, Fernando pilotasse um Fusca velho, de segunda mão; e se o morto fosse um cidadão de classe alta…
Perguntas que não calam: os policiais civis teriam agido como agiram? E a juíza? Ela não veria motivos suficientes para atender ao pedido da polícia de mandar prender o assassino de um chefe de família?
É sobre isso. É só sobre isso. Um Porsche não dá a ninguém o direito de matar, de fugir da cena do crime e de ficar impune.