Foto: Waldemir Barreto/Arquivo/Agência Senado
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco 19 de abril de 2024 | 08:22
A rápida decisão do Senado sobre a PEC (proposta de emenda à Constituição) que criminaliza o porte de qualquer quantidade e tipo de droga também foi motivada pela lentidão do STF (Supremo Tribunal Federal) no tema, dizem especialistas.
Mas embora o embate entre Legislativo e Judiciário domine a discussão, o tema nunca foi analisado pelo Executivo desde a sanção da lei de drogas, de 2006.
Críticos da proposta para criminalizar qualquer quantidade afirmam que o Senado age contra evidências da aplicação direcionada da lei de drogas, mas quem é a favor da PEC entende que o Congresso está até ajudando o STF a se livrar de um debate de quase dez anos.
A PEC foi aprovada pelos senadores em dois turnos na última terça-feira, e segue com pressão da oposição para a Câmara, onde aliados do governo Lula (PT) já temem derrota.
Para a advogada constitucionalista e mestre pela FGV (Fundação Getulio Vargas) Vera Chemin, a decisão consiste em “demarcar território”, já que o Supremo está na iminência de terminar o julgamento, com maioria formada a favor de descriminalizar o porte para uso, em sentido oposto à proposta do Senado.
“O pano de fundo remete ao fato inequívoco de que o STF precisa treinar a autocontenção, não o ativismo judicial responsável pelo atual conflito institucional.”
Segundo a advogada, o debate se arrasta no Supremo porque o tema é controverso, e os ministros estavam aguardando “um momento certo para o julgamento”. Mas com a conclusão se aproximando e em meio a uma crise entre poderes, afirma, o Legislativo se viu obrigado a dar uma resposta aos eleitores, sob risco de perder credibilidade.
Cristiano Maronna, diretor do Justa, também aponta um problema na demora ao julgar um recurso extraordinário que chegou à corte em 2011 e começou a ser analisado em 2015. “Mas de outro lado, o Congresso se omite dolosamente em reformar a Lei de Drogas, em criar critérios objetivos e em oferecer soluções para um diagnóstico de conhecimento geral.”
Esse diagnóstico, segundo Gabriel Sampaio, diretor da Conectas Direitos Humanos, é a aplicação desigual da Lei de Drogas, concentrada em pessoas negras, pobres, periféricas e de baixa escolaridade. “A lei deixou espaços subjetivos muito grandes, cujas interpretações causam, em geral, injustiças contra um grupo social específico.”
Ao aprovar a PEC, o Congresso reforça, para ambos, os resultados da lei até o momento.
Já segundo Ronaldo Laranjeira, professor titular de psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp e favorável à PEC, o Senado está fazendo um favor à corte. “O Supremo Tribunal Federal deveria estar agradecido ao Senado e à Câmara por tirá-lo dessa agonia. Eles iam decidir goela abaixo da população algo impopular.”
Laranjeira diz que a vontade da população contrária à descriminalização de drogas, mapeada em pesquisas, deve ser respeitada. Em debate realizado no Senado, ele também citou exemplos de reversão na política de legalização, como em Oregon, estado americano que recuou em relação à maconha.
Enquanto as críticas se concentram na falta de decisão de Legislativo ou Judiciário, o Executivo também não regulamentou definições de quantidades de drogas para caracterizar os usuários, seja pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) ou por normas ministeriais.
Maronna, do Justa, lembra que a Anvisa é autônoma, e embora os membros do governo possam indicar seus integrantes, não seria possível para a gestão Lula arcar com o custo político de uma regulamentação feita pela agência.
“A base parlamentar do governo é fluida, pouco leal e majoritariamente comprometida com as bandeiras da direita.”
Já o advogado Emilio Figueiredo, integrante da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, diz que a Anvisa não teria essa competência. “A iniciativa seria por uma portaria interministerial da Justiça e Segurança Pública e da Saúde, determinando como autoridades públicas, principalmente a polícia, devem se portar diante do fato social do uso de drogas.”
Mas essa solução, diz Figueiredo, não seria adequada, porque viola a presunção de inocência, e é preciso comprovar a conduta antes de imputar o crime de tráfico, por exemplo.
A advogada Vera Chemin vê um debate ainda concentrado na questão de organizações criminosas e tráfico, distante do consumo pessoal de drogas. “A tendência era, e ainda é, de manter a criminalização. Há matizes que vão além do jurídico, como político, religioso, familiar e moral, que dificultam a mera ação de regular pelo governo.”
Lucas Lacerda/Folhapress