InícioNotíciasPolíticaProfecia? Não, Ciência. A tragédia gaúcha estava escrita e acontece

Profecia? Não, Ciência. A tragédia gaúcha estava escrita e acontece

Na quinta-feira 25 de abril passado, às 13h43, os leitores do Correio do Povo, o mais antigo jornal do Rio Grande do Sul, foram alertados de que algo importante estava à sua disposição online. O título da notícia dizia tudo de forma direta, à maneira de antigamente:

“Cenário de perigo: RS terá chuva excessiva semelhante aos extremos de 2023, aponta MetSul”.

E a linha de apoio ao título completava:

“Episódio de instabilidade deve ocorrer entre final de abril e começo de maio”.

Bingo! Transcrevo parte da notícia:

“A MetSul Meteorologia adverte para um cenário de intensa instabilidade e perigoso por excesso de precipitação e risco de temporais nestes últimos dias de abril e no começo de maio no Sul do Brasil, em particular no estado do Rio Grande do Sul, onde a chuva deve ser mais excessiva com acumulados de precipitação muito altos até extremos.

O cenário guarda bastante semelhança com aqueles do segundo semestre do ano passado que trouxeram temporais e chuva excessiva no fim do inverno e durante a primavera, no auge do episódio do fenômeno El Niño. Os acumulados devem ser tão altos em alguns pontos e em tão curto período, que grande número de localidades gaúchas pode atingir 100% a 200% da precipitação média histórica de abril ou maio, o que pode acarretar uma série de riscos e transtornos à população.

Porto Alegre e Região Metropolitana também devem sofrer com os volumes altos de chuva . […] A grande maioria das cidades gaúchas deve somar no período marcas de 100 mm a 150 mm, ou seja, o que costuma chover em um mês nesta época do ano, mas em vários pontos pode chover muito mais. Cheias de rios e estradas afetadas A persistência da chuva por vários dias deve provocar ainda inundações e prováveis cheias de vários rios. Algumas estradas, particularmente municipais e rurais, devem se tornar intransitáveis com prováveis trechos e pontilhões cobertos pela água.

Há risco de temporais. Isso porque a instabilidade será constantemente alimentada por ar quente, o que favorecerá a formação de nuvens muito carregadas, que poderão provocar tempestades isoladas com muitos raios, queda localizadas de granizo e ocasionais vendavais isolados.”

Não dá, portanto, para que o governo do Estado diga agora que foi surpreendido pelo que aconteceu, pelo que ainda acontece, e pelo que ainda acontecerá quando as águas voltarem ao seu leito original, abrindo espaço para a proliferação de doenças.

Em menos de um ano, chuvas intensas no Rio Grande do Sul custaram a vida de 110 pessoas, mais do que o total registrado em desastres naturais nas três décadas anteriores. As chuvas persistentes desde o início da semana passada deixaram até aqui 55 mortos e 70 desaparecidos.

É “o maior desastre da história do Estado”, classifica o governador Eduardo Leite (PSDB), que clama por ajuda. Quase 15 milhões de pessoas deixaram suas casas, outras centenas de milhares estão sem água ou luz. Porto Alegre está praticamente isolada.

Leite é o mesmo governador que no dia 9 de abril último sancionou a lei que flexibiliza regras ambientais para a construção de barragens em áreas de preservação permanente, medida defendida por produtores rurais como forma de diminuir os impactos da estiagem no estado.

As áreas de preservação permanentes (APPs) compreendem florestas e outras formas de vegetação natural, além de áreas situadas ao longo de rios, lagoas e reservatórios naturais. A lei recebeu 35 votos favoráveis e 13 contrários na Assembleia Legislativa.

A Federação da Agricultura do RS (Farsul) diz que a lei é importante para o desenvolvimento do agronegócio. Francisco Milanez, diretor científico e técnico da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural, é contra a lei:

“As APPs são as fontes de água. É como destruir a horta para construir a cozinha. Vai cozinhar o que depois?”

Para Clóvis Borges, diretor executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental, o Rio Grande do Sul perdeu há muitas décadas a resiliência para enfrentar os extremos climáticos:

“Foi o primeiro estado a cobrir todo território com propriedade agrícola. Eliminaram praticamente suas áreas naturais. Restou 7% da área original da Mata Atlântica e o bioma Pampas é um dos mais ameaçados.”

Um projeto de lei de autoria do deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS) foi aprovado na Câmara em março deste ano.  Ele autoriza o corte de vegetação nativa não florestal – como Pampa, parte do Cerrado e do Pantanal.

Na prática, uma área equivalente a dos estados do Rio Grande do Sul e Paraná de mata nativa pode sumir do mapa se a lei for aprovada pelo Senado.

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