Todo brasileiro da região sudeste já teve um conhecido de origem árabe, ou até mesmo pode ter sangue árabe pelos seus antepassados. Erroneamente chamados de turcos pelos brasileiros em sua à América do Sul, por carregarem um passaporte do finado Império Turco Otomano, muitos daqueles imigrantes que moldaram nossa sociedade moderna têm origem no Líbano ou na Síria, nações árabes, mas de um perfil religioso diverso. A vasta maioria deles, apesar de árabe, é cristã e encontraram no Brasil uma terra de vastas oportunidades para poder prosperar e ao mesmo tempo contribuir para o desenvolvimento de cidades e estados até hoje.
Por sempre ter tido um perfil multirreligioso, o Líbano foi por muitas décadas uma nação secular, onde nenhuma religião poderia ter vantagens políticas sob as demais, fazendo com que até a divisão do poder político seguisse uma proporção sectária a fim de dar espaço a todos os 12 grupos cristãos, 4 muçulmanos, um druso e um judeu dentro da tomada de decisões políticas. Em 1943 foi feito o famoso Pacto Nacional, um acordo não escrito constitucionalmente, mas que norteia até hoje o estado multiconfessional libanês.
Segundo esse acordo, o presidente da república sempre tem de ser um cristão maronita, o primeiro-ministro sempre um muçulmano sunita, o presidente do parlamento um muçulmano xiita e o vice-presidente do parlamento um cristão grego ortodoxo. Naquele momento a proporção de cristãos era superior, com cerca de 6 cristãos para cada 4 muçulmanos, algo que se inverteu nos dias atuais e nos ajuda a entender uma das razões das rápidas mudanças pelas quais o país passou.
A tragédia libanesa tem seu prelúdio também escrito no conflito israelo-palestino, onde sua fronteira sul estaria desde 1948 até hoje em constante estado de alerta. Com as guerras entre árabes e judeus, das quais algumas tiveram a participação direta dos libaneses, o país não seria apenas constantemente destruído, mas em períodos de relativa paz recebia um enorme afluxo de refugiados e imigrantes provenientes de seus países vizinhos, o que para uma nação de apenas 10 mil km quadrados de área (metade do tamanho do nosso menor estado no Brasil, o Sergipe) e recursos limitados, significou um enorme fardo a se carregar.
Não bastando isso, muitos dos palestinos que chegaram ao país após a sua anterior expulsão da Jordânia em 1971 pelo Setembro Negro, trouxeram consigo muito da ideologia do estado ininterrupto de guerra contra Israel como uma forma de “resistência” e promoveram uma guerra civil no país por mais de 15 anos entre 1975 e 1990.
Nesse década e meia, o país que tinha a capital chamada de Paris do Oriente Médio, começou a ruir definitivamente, tendo grupos radicais e fundamentalistas de um lado nascendo e se estabelecendo, como o Hezbollah, e um exército nacional do outro tentando conter os diversos focos de rebelião com alianças que mudavam repentinamente. Além de tudo isso, também temos o estado de Israel, que ao ver o caos estabelecido no país vizinho, também o invadiu em 1982 como resposta ao assassinato de seu embaixador no Reino Unido, além de seus próprios interesses em poder ditar o que aconteceria na sua fronteira setentrional.
Exatamente nesse momento vemos que a infraestrutura preservada por milênios nessa nação citada até mesmo na Bíblia, começa a desmoronar. No final desse sangrento conflito 150 mil pessoas ficaram mortas e outras centenas de milhares se tornaram refugiadas, e como resultado político temos os palestinos da Organização para Libertação da Palestina expulsos, a ocupação do Líbano pela Síria e a crescente ascensão do Hezbollah.
Financiados pelo Irã, os terroristas xiitas do Hezbollah transformariam o sul do Líbano em sua base de operações para atacar Israel e outras partes do Oriente Médio, trazendo por mais de 30 anos, instabilidade política na configuração territorial libanesa e nas relações com seus vizinhos árabes e judeus. Poderia também listar a guerra com Israel em 2006, a Guerra Civil da Síria desde 2014 e a explosão do porto de Beirute em 2020, além de dezenas de outros eventos de menor relevância geopolítica, mas igualmente danosos para a sociedade e economia libanesas.
Hoje mais uma vez vemos o Líbano nas páginas de guerra, passando por uma nova invasão israelense, convivendo ainda com um grupo terrorista atuando paralelamente ao seu exército nacional e com uma profunda desesperança de sua população, que ano após ano vê o país vanguardista da década de 1940 e 1950 como um sonho cada vez mais distante.
Provavelmente essa guerra ainda em curso mudará profundamente o Líbano mais uma vez. Temos a grande possibilidade da perda de protagonismo do Hezbollah na sua região sul, já vemos milhares de pessoas deixando seu território e com isso uma projeção econômica ainda mais preocupante do que os já negativos cálculos feitos anteriormente. Apesar das variáveis serem muitas, um parâmetro infelizmente segue constante: o país está à beira do colpso em todos os sentidos.