SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os candidatos Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) levaram o apagão que atinge a capital paulista ao centro do debate da Band, nesta segunda-feira (14), o primeiro encontro entre os dois concorrentes à Prefeitura de São Paulo neste segundo turno.
O embate se deu em relação às responsabilidades da prefeitura, da empresa Enel e da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), ligada ao governo federal.
Os dois estão usando o apagão, que começou após temporal na sexta-feira (11), como campo de batalha eleitoral, com cobranças mútuas de responsabilidade e trocas de acusações nas redes sociais. O tema, visto como uma oportunidade pela campanha do PSOL, também foi levado às propagandas de TV e rádio.
Nunes e Boulos se cumprimentaram antes do começo do debate, no qual trocaram ofensas entre si, e defenderam a saída da Enel da cidade de São Paulo.
O programa teve o modelo de banco de tempo nos blocos de confronto direto, e os concorrentes podiam sair do púlpito e transitar pelo estúdio, o que provocou alguns embates frente a frente. Em diferentes momentos, tocaram um no outro. Entre meio à troca de farpas, ensaiaram um abraço, com Nunes dizendo não se intimidar com Boulos por ter origem na periferia.
“Você tá bem?”, disse o prefeito, abraçando o deputado. “Eu tô bem, e você, tudo firme?”, respondeu o deputado. “Você não vai me intimidar”, afirmou Nunes. “Jamais”, respondeu Boulos. “Eu vim da periferia do Parque Santo Antônio, não tenho medo de nada, só de Deus”, completou o emedebista.
Depois do contato entre eles, Boulos afirmou, durante o debate, que a equipe do prefeito “fez um escarcéu” no intervalo por causa da aproximação. “Vou manter a distância para você não se assustar”, ironizou.
Nunes e Boulos usaram a questão elétrica para alfinetarem os respectivos padrinhos, o presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A estratégia do atual prefeito na crise é culpar o governo federal, dizendo que cabe a ele romper o contrato, já que a concessão de energia é federal.
Boulos provocou Nunes, atribuindo-lhe culpa pelo problema e dizendo que ele se esquiva. “Sempre o problema é do outro, né? Você não faz poda de árvore, e o culpado é o Lula?”, indagou. “Eu vou tirar a Enel de São Paulo, porque precisa ter um prefeito com pulso, com firmeza, não um prefeito vacilante.”
O deputado do PSOL afirmou que a cidade está “refém dessas duas incompetências, da Enel e do prefeito”. “Uma coisa é a propaganda de quem em tempo de eleição quer falar que fez, outra é o que você vive”, completou.
O emedebista disse que o deputado nem “sequer leu o contrato” da concessão e que “o governo federal não fez nada”, ao questionar por que o contrato com a empresa não foi rompido e lembrar, segundo ele, que desde novembro do ano passado, quando outro apagão afetou a cidade, defende a suspensão.
“Deputado, explica aí por que você não fez nada. Eu estou falando que fui lá, cobrei para tirar a Enel, você não fez nenhum projeto para alterar a lei federal. Como é que a gente vai acreditar em você?”, disse Nunes.
“É inaceitável o que essa empresa Enel tem feito com a cidade de São Paulo, é inaceitável que o governo federal, que detém concessão, regulação e fiscalização, não tenha feito nada, desde novembro do ano passado”, afirmou ainda o prefeito.
Boulos mencionou Bolsonaro ao afirmar que o presidente da Aneel, Sandoval Feitosa, foi indicado pelo ex-presidente. O deputado disse que Bolsonaro e o senador Ciro Nogueira (PP-PI), responsável por endossar a indicação de Feitosa, deveriam pressioná-lo a tomar atitudes em relação à Enel.
O apagão, que afetou mais de 2 milhões de residências em São Paulo, completou três dias nesta segunda. Balanço divulgado à noite pela Enel afirmou que cerca de 340 mil imóveis continuavam sem luz.
Os dois candidatos chegaram à emissora antecipando o tom do debate, com Boulos afirmando na entrada que Nunes é omisso, e o prefeito rebatendo o deputado com a crítica de que ele quer “lacrar”. O parlamentar disse que cerca de 500 mil pessoas, sem energia, não conseguiriam assistir ao debate.
Boulos usou termos como “cara de pau”, “mentiroso” e “vacilante” para se referir a Nunes ao criticá-lo pela atuação diante do apagão. O prefeito o ironizou dizendo que ele queria “defender a Enel”, o que ele negou, e falou que o parlamentar estava “no modo desespero”, por causa da situação nas pesquisas.
“Nunes mostra que um prefeito pode ser fraco e ao mesmo tempo arrogante. Olha o tamanho da arrogância, porque está na frente de uma pesquisa sobe em cima do salto e acha que já ganhou”, disse o deputado.
Além do apagão, que dominou o primeiro bloco, os candidatos levantaram outros temas que se tornaram vidraças durante a eleição. Nunes, por exemplo mencionou a “rachadinha” de André Janones (Avante-MG), que foi absolvido no Conselho de Ética da Câmara após parecer favorável de Boulos, relator do caso.
O deputado do PSOL falou sobre a investigação da chamada máfia das creches, que apura pagamentos a Nunes e familiares em um esquema de lavagem de dinheiro. O prefeito se defendeu, dizendo ter uma vida limpa e não ter sido indiciado na investigação da Polícia Federal.
“Quem corre de polícia é quem está na máfia da creche, é quem rouba dinheiro público”, atacou Boulos, que reiteradas vezes cobrou uma resposta do prefeito sobre o suposto recebimento de um cheque com recursos do esquema. Nunes reiterou que todos os pagamentos que sua empresa recebeu foram por serviços efetivamente prestados.
Boulos também provocou Nunes a abrir seu sigilo bancário, dizendo que ele próprio não tem nada a responder, no que o prefeito respondeu que seu sigilo “já é aberto”.
Nunes ainda disse que Boulos “passa pano para ‘rachadinha'” e “não sabe muito bem o que é trabalhar”, o que levou a risadas e aplausos da claque do prefeito na plateia.
Depois de debates com violência no primeiro turno, o público chegou a ser banido dos programas, mas esteve presente no evento da Band e foi advertido a cada vez que se manifestou.
No fim do primeiro bloco, Boulos, em tom irônico, recomendou calma a Nunes, quando o prefeito derrubou um papel. Nunes, então, mencionou a rejeição do rival medida pelo Datafolha. “Chega a beirar o ridículo, ele está desesperado, 58% de rejeição, não vai ganhar mais nada. Vai perder mais uma”, disse o emedebista.
Houve ainda um embate em torno da pandemia, com Boulos desafiando Nunes a repetir suas falas recentes, feitas em entrevistas a canais bolsonaristas, sobre ser contrário à vacinação obrigatória. O emedebista evitou encampar a visão negacionista e afirmou ter orgulho de que São Paulo tenha sido a capital da vacina.
Nunes, no entanto, manteve o aceno ao eleitorado conservador e religioso, afirmando ser contra o chamado “passaporte da vacina”. “Imagina você ter que mostrar documento para ir à missa, ao culto, para entrar em restaurante.”
Boulos explorou a ambiguidade do adversário, afirmando que ao se aliar a Bolsonaro, Nunes se tornou “papagaio dele’, mas quando “acha que não precisa [do ex-presidente], começa a defender outra coisa”.
Ao fim do debate, cada candidato enfatizou sua estratégia neste segundo turno. Nunes afirmou que, por ter sido vereador, vice e prefeito, tem experiência para governar a capital, enquanto Boulos é inexperiente e “tem medo da polícia”. O emdebista também criticou o PSOL.
“Falar é fácil, eles [o PSOL] não sabem administrar, não têm experiência. […] São daquele tipo quanto pior, melhor”, disse Nunes. O prefeito afirmou, em diversas oportunidades, que Boulos “não sabe nada”.
Boulos não respondeu quando Nunes questionou por que o PSOL havia votado contra projetos importantes em São Paulo, como redução de taxas e a criação das Vilas Reencontro, voltadas para a recuperação de dependentes químicos.
“O que está em jogo nesta eleição não é experiência ou inexperiência. É deixar como está ou mudar”, afirmou Boulos, também salientando sua tática. O deputado disse ser preciso “enfrentar o sistema podre que se montou na prefeitura desde [João] Doria e que Nunes representa”.
Boulos buscou se blindar da acusação de inexperiente afirmando que tem Marta Suplicy (PT) como vice e que ela iria “emprestar sua grande experiência”. O deputado disse ainda que não vai tirar as OSs da saúde e da educação (“Só vou fiscalizar, o que você não fez”) e que não vai desarmar a Guarda Municipal.
Segundo Boulos, seu rival fala em “radicalismo e extremismo” para que as pessoas tenham “medo da mudança”. “Eles falavam a mesma coisa do Lula. […] Aconteceu alguma coisa disso?”, questionou.
Nunes aproveitou sua fala final para ressaltar vitrines da gestão, como a faixa azul para motos e a tarifa zero aos domingos, e também mencionou sua parceria com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como maneira de avançar na segurança.
Outros assuntos foram tratados, como propostas para segurança pública, população em situação de rua e habitação, com o candidato do PSOL repetindo que o rival fala de uma cidade que “só existe na propaganda dele”.
“Quem defende a desmilitarização, que é acabar com a Polícia Militar, não tem condição de falar sobre segurança. Para quem defende liberação de drogas, que é o caso do Guilherme Boulos, não tem condição de falar desse tema”, rebateu Nunes.
Os dois também se estranharam após Nunes falar que não vai criar taxas, o que Boulos entendeu como uma indireta a sua vice, que ganhou o apelido de “Martaxa”. O deputado cobrou respeito e lembrou que ela foi secretária da gestão do emedebista e só saiu porque o prefeito se aproximou de Bolsonaro, a quem a petista se opõe.
Segundo pesquisa Datafolha de quinta-feira (10), Nunes tem 55% das intenções de voto, enquanto Boulos registra 33%, nesta que é a campanha mais acirrada da história da redemocratização na capital.
Os dois oponentes confirmaram participação no debate organizado por pool composto de Folha, UOL e RedeTV!., marcado para a próxima quinta-feira (17), às 10h20. O segundo turno será no dia 27.
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