Adormecido por 71 anos

Em nosso costumeiro hábito de acompanhar guerras em curso, falamos muito sobre o passado e as raízes históricas de desavenças geopolíticas que se tornaram violentos conflitos armados. Ao cobrir diariamente a guerra na Ucrânia e no Oriente Médio, não olhamos com o devido cuidado para guerra adormecidas e que possuem grande potencial de destruição considerando os envolvidos. O exemplo mais categórico nesse caso é a península coreana, dividida pela última e mais recente vez, em 1953 com um acordo de armistício que colocou fim a violência, mas apenas pausou a guerra de forma indefinida. A guerra da Coreia, assim chamado o conflito sangrento no extremo oriente entre 1950 e 1953, também figurou no contexto da Guerra Fria, onde o fundador e primeiro ditador da Coreia do Norte, Kim Il-Sung invadiu seu vizinho em sua fronteira meridional após prévia autorização dos soviéticos.

Inicialmente acuados e sem esperanças de resistir a um exército muito superior, os sul coreanos apelaram para as Nações Unidas, que em um episódio muito peculiar na história da geopolítica global, conseguiu aprovação para enviar forças de segurança e respaldar os sul coreanos. Com os capacetes azuis provenientes de 16 países, americanos, britânicos, franceses e tantos outros soldados puderam dar aos sul coreanos uma chance de recuperar a configuração territorial de forma muito parecida com antes da guerra, mas não conseguiram evitar o que viria a seguir e se estende até os dias de hoje.

Com a assinatura do armistício em 1953 e o estabelecimento da Zona Desmilitarizada da Coreia, temos o nascimento da fronteira mais tensa do mundo e que mesmo 71 anos depois ainda é motivo de preocupação e cobertura jornalística frequente. Desenvolvendo seu programa nuclear desde a década de 1950, a Coreia do Norte conduziu de forma bem-sucedida de 2006 em diante, 6 testes com armas nucleares, o que incluiu a nação mais isolada do mundo ao seleto grupo com outros 8 países detentores de bombas atômicas.

Os vizinhos do sul, mais ricos e bem relacionados com o mundo, conseguiram fortes imposições de sanções sob o regime de Pyongyang, mas o sentimento de medo apenas cresceu em meio a novos testes com ICBMs (mísseis balísticos intercontinentais), drones invadindo seu espaço aéreo e ameaças cheias de furor na televisão estatal norte coreana. Os Estados Unidos continuam em sua posição firme de principal aliado de Seul, conduzindo igualmente exercícios militares em conjunto pelo Mar do Japão e respondendo com ameaças de retaliação caso Kim Jong-Un opte por violar as fronteiras ou ataque os aliados norte-americanos.

Desde 2022 as relações entre Coreia do Norte e Coreia do Sul pioraram ainda mais, por mais que parecesse impossível. O conservador presidente sul coreano, Yun Sok Yeol, ao contrário de seu antecessor, não buscou um caminho de cooperação e diálogo com o ditador Kim Jong-Un, apenas manteve de maneira altiva a moral de seu exército para qualquer ameaça.

As demonstrações de amizade entre Seul com o presidente Joe Biden, além de exercícios militares conduzidos conjuntamente a americanos e japoneses, serviram como provocação na leitura de Pyongyang, que desde então, declarou a Coreia do Sul como principal inimigo da sua nação e deixou claro que todos os planos, sonhos e especulações para uma reunificação da península coreana no futuro, estariam imediatamente cancelados.

Nesse cenário vemos um aumento na retórica belicista do ditador, testes com mísseis ocorrendo de forma mais frequente e hoje a destruição das principais rodovias que ligavam os dois países. Vale ressaltar, que tais rodovias já eram inúteis há muitas décadas, já que não há trânsito nem de pessoas, nem de mercadorias entre as duas nações, mas dinamitar tais vias de acesso, possuem forte caráter simbólico de que não há consenso e comprometimento por parte de Kim Jong-Un. A justificativa do governo norte coreano para tal ato, fala em proteger o país no caso de uma invasão terrestre promovida pelas fronteiras sul, impedindo o avanço das tropas sul coreanas pelas rodovias.

Por outro lado, muitos analistas militares acreditam que poderão utilizar essa nova área criada para a construção de grandes barreiras de contenção e altos muros, isolando ainda mais a Coreia do Norte de sua irmã e impedindo com que balões com informações do mundo exterior lançados por ativistas sul coreanos possam alcançar as isoladas almas que vivem no estado mais fechado do planeta. A resposta sul coreana, os reais motivos pelo novo recrudescimento da postura de Pyongyang e o resultado desse inacabado conflito geopolítico, talvez continuem dormentes por mais algumas décadas.

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