A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aceitou nesta quarta-feira (6) uma nova denúncia feita pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Sandra Inês Rusciolelli de Azevedo, e outras quatro pessoas. O inquérito em questão está ligado à Operação Faroeste, da qual a magistrada é alvo, que apura esquema de venda de sentenças envolvendo terras no oeste do estado.
Os demais denunciados são o filho da desembargadora, Vasco Rusciolelli; o produtor rural Nelson José Vigolo, dono da Bom Jesus Agropecuária Ltda; e os advogados Júlio César Cavalcanti e Vanderlei Chilante.
Conforme narrado pela subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, o grupo liderado por Sandra Inês é acusado dos crimes de formação e integração de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, e lavagem de dinheiro.
A denúncia indica que a desembargadora do TJ-BA constituiu a organização criminosa para tentar negociar decisões judiciais para o grupo liderado por Nelson Vigolo, com a participação e intermediação dos advogados Júlio César e Vanderlei. Os fatos estão ligados ao grupo criminoso comandado por Adailton Maturino, que ficou conhecido como o “quase cônsul” da Guiné-Bissau, e a sua esposa, Geciane Maturino, identificado nas investigações da Operação Faroeste.
Na ação penal já em curso no STJ, nº 940, restou apurado que a organização criminosa do casal Maturino, por meio de atuação ilícita de magistrados, editou uma portaria de 2015 da qual houve o cancelamento de três matrículas de terrenos, afetando diversos produtores rurais – entre eles está Nelson Vigolo.
Segundo o MPF, é nesse contexto que o advogado Vanderlei Chilante e o produtor rural Nelson Vigolo decidiram utilizar estratégia idêntica à do “seu opositor”, Adailton Maturino, associando-se a Júlio César Cavalcanti para a compra de decisão judicial a ser proferida pela desembargadora do tribunal baiano.
“Considerando a necessidade de assegurar a propriedade de terras e garantir que não houvesse reversão no TJ baiano, houve a criação e composição de organização criminosa por Sandra Inês e os demais denunciados voltada para a prática de corrupção judicial e lavagem de ativos”, destacou a subprocuradora ao ler a denúncia.
As provas apontam que Vigolo e Chilante ofereceram à desembargadora propina no valor de R$ 4 milhões, com pagamentos fracionados em espécie, para que ela passasse a defender os interesses da Bom Jesus Agropecuária e revertesse consequentemente os efeitos da portaria editada anteriormente. O MPF identificou que Sandra Inês teria atuado irregularmente, com decisões favoráveis à empresa, em pelo menos três ocasiões.
Era Júlio César, como detalhado pelo MPF, quem ajustava com o advogado Vanderlei Chilante como se daria a prática dos atos de ofício e como seria efetuado o pagamento da propina. Em seguida, ele se reunia com Sandra Inês e Vasco para pontuar os acordos. Ao advogado é atribuído o papel de negociar e de minutar as decisões que seriam proferidas pela desembargadora. O Ministério Público Federal sinaliza que todos os atos de Sandra Inês eram realizados por integrantes da organização criminosa.
Nas cifras movimentadas pelo grupo, a denúncia aponta para o pagamento do valor estimado de R$ 2.150.000,00 feito por Vanderlei Chilante e Nelson Vigolo para que Júlio César, Sandra Inês e Vasco Rusciolelli “permanecessem na organização criminosa criando um ambiente favorável para que as decisões judiciais fossem proferidas”.
O COAF constatou movimentações financeiras feitas por Sandra Inês, entre 5 de junho de 2017 e 14 de novembro de 2019, no total de R$ 2.776.864 – quantia referente ao pagamento de propina. “Os envolvidos pactuaram pagamento no montante de R$ 4 milhões, havendo adimplemento efetivo em mecanismos de lavagem de R$ 2,4 milhões pelos atos judiciais”, explicitou Frischeisen.
Na delação premiada firmada com o MPF em abril de 2020, Júlio César Cavalcanti apresentou a minuta da decisão comprada e o controle eletrônico individual do portão da casa de Sandra Inês para a realização de reuniões.
A subprocuradora-geral da República destacou que a atuação da suposta organização criminosa iniciou em 2018 e se manteve em funcionamento até a prisão da desembargadora, em 2020.
Todos os denunciados firmaram acordo de delação premiada com o MPF. No entanto, em outubro do ano passado Sandra Inês Rusciolelli tentou quebrar a delação homologada pelo STJ em junho de 2021, alegando quebra de sigilo diante do suposto vazamento ilegal do teor da delação antes mesmo da sua homologação. O pedido foi negado pelo ministro Og Fernandes.
Ao defender o recebimento da nova denúncia pelo STJ, Og Fernandes pontuou a existência de fatos diferentes aos tratados na outra ação penal em tramitação na Corte. “As organizações criminosas descritas na ação penal 940 e neste inquérito são distintas, pois integradas por pessoas diversas, tendo funcionado em épocas diferentes. Valendo destacar que Júlio César Cavalcanti inicialmente aderiu ao grupo liderado por Adailton Maturino, investigado na APN 940, e posteriormente passou a compor também o grupo investigado neste inquérito que foi constituído justamente para fazer frente às investidas criminosas de Adailton Maturino”, frisou.
“Conclui-se que as condutas descritas nas ações penais em questão não se confundem […] Portanto, é necessário tanto num feito como no outro explicitar o modo de atuação do grupo e individualizar as condutas de cada um dos agentes”, acrescentou.
Em seu voto, seguido à unanimidade pelos demais membros da Corte Especial, Og também opinou pela renovação do afastamento da desembargadora Sandra Inês Rusciolelli até o julgamento do mérito da nova ação. “Uma vez que me parece absolutamente incompatível o exercício da função judicante com o fato de a desembargadora ser denunciada, e por mim a denúncia a ser recebida, nos tipos penais aqui relatados em crimes que agem e interagem efetivamente com o exercício da função jurisdicional”, sinalizou. Sandra Inês está afastada das suas funções no TJ-BA desde março de 2020.