A Amazônia é presença garantida em qualquer debate relevante sobre os diversos assuntos importantes da nossa época. Temas como soberania, desigualdade social, segurança, meio ambiente, povos indígenas, bioeconomia, desenvolvimento, energia, alimentos, tudo inclui ou está incluído na Amazônia.
A ocupação da floresta segue a lógica social e econômica que historicamente moveu a ocupação de outros territórios pela humanidade. Nos últimos trinta mil anos as primeiras populações da América avançaram do Alasca ao Sul do Chile, buscando alimento, água, abrigo e terras agricultáveis.
No século XV, os colonizadores modernos chegaram pelo oceano. Controlar o litoral foi estratégico para as fortificações e para o transporte de mercadorias, pessoas escravizadas e tropas.
A Lei dos Rendimentos Decrescentes, conhecida dos economistas, levou os colonizadores a ocuparem o Brasil em ordem decrescente dos seus lucros (e crescente dos custos). Por isso, o interior brasileiro demorou a ser ocupado, até que no século XVIII o ouro fácil, à flor da terra, viabilizou infraestruturas, postos militares, negócios e cidades nos sertões de São Paulo, Rio, Minas, Bahia, Goiás etc.
Ainda em 1494, o Tratado de Tordesilhas dividira a América do Sul entre Espanha e Portugal, deixando a Amazônia para os espanhóis (que nunca apareceram). A área permaneceu povoada pelas nações indígenas, protegida da devastação, até que fosse gradativamente colonizada pelos portugueses e novos brasileiros. Em 1750, o Tratado de Paris oficializou a posse de Portugal sobre a Amazônia hoje brasileira.
Para um governo que precisou de 200 anos para se consolidar a partir do litoral e ocupar os sertões, chegar à Amazônia não foi rápido e nem barato (para sorte da floresta). Vale lembrar que um grande viabilizador da ocupação de territórios em todo o mundo foi o consumo das florestas originais, para construção civil, geração de energia e matéria prima.
Na Amazônia “distante’, os riscos e custos envolvidos não animavam também os gastos privados legais em larga escala. As descobertas de fontes de energia não renováveis e de novos materiais reduziram ainda mais a atratividade das regiões de florestas.
Nesse sentido, se tais inovações tivessem demorado mais cem anos para acontecer, não haveria Amazônia (como ocorreu com a Mata Atlântica e outras florestas europeias, asiáticas e americanas). A equação ficou ainda menos atraente para os negócios legais com o atual agravamento da mudança climática.
O Marquês de Pombal criara a Companhia Geral do Grão Pará, gerando imigração, comércio e agricultura. Depois veio a borracha, até que a seringueira fosse pirateada pelos ingleses, que a tornaram mais competitiva no plantation asiático do que no extrativismo amazônico.
A pobreza proliferou, dando espaço às informalidades e ilegalidades que, em meio à adversidade, sustentam a vida não urbana na Amazônia. O ‘custo Amazônia’, na ausência do Estado, deixou as populações e a floresta vulneráveis.
O Estado tradicional ficou nas áreas urbanas, nos postos militares e nas infraestruturas principais. Por sua vez, a agropecuária e a mineração predatórias mantiveram um modelo colonial, associadas a práticas utilizadas séculos atrás pelos bandeirantes para conquistar a mata litorânea e sertões, quando ainda se pensava que a madeira vale mais do que a árvore.
Onde a vida formal não se viabilize pelas dificuldades naturais, o Estado e a sociedade precisam estabelecer padrões especiais de governança e uso. Na Amazônia, o esforço é urgente e exigirá responsabilidade dos variados setores (públicos e privados) nacionais.
Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; ex-secretário executivo de Segurança Urbana do Recife (2019-2020); foi assessor dos ministros da Defesa (2016-2018) e da Segurança Pública (2018).