São Paulo — A pista de atletismo do estádio Ícaro de Castro Mello, no Ibirapuera, em São Paulo, voltou a ganhar evidência nesta semana após a liberação para a realização de uma prova de automobilismo, vetada posteriormente. O que nem todos sabem é o que local, há quase uma década fora dos holofotes, já foi cenário de disputas que envolveram grandes astros e estrelas do esporte nacional e internacional.
As cenas de um trator removendo o que restou da borracha da pista para a disputa de drift —carros aceleram e derrapam na competição —revoltaram a comunidade do atletismo, que há anos luta para recuperar o local.
“Estamos falando do estádio onde João do Pulo, Joaquim Cruz, Zequinha Barbosa, Maurren Maggi fizeram história”, diz o presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), Wlamir Motta Campos.
Fora grandes nomes nacionais, atletas como o canadense Ben Johnson, o americano Michael Johnson e o cubano Javier Sotomayor também passaram pela pista do estádio.
O complexo não foi só palco para a exibição de grande astros e estrelas do esporte. Foi também a casa de muitos. “Existia também o Projeto Futuro. Maurren Maggi e Jadel Gregório [ambos campeões olímpicos] moraram ali, vindos do interior. Era um projeto fantástico de formação e desenvolvimento de talentos. Gerou grandes atletas”, diz Campos.
O presidente da CBAt também ressalta que o atletismo deu ao Brasil 19 medalhas olímpicas e 33 medalhas em campeonatos mundiais. “É o esporte mais democrático que existe, porque alto, baixo, gordo, magro, menino, menina praticam atletismo”, afirma.
Campos diz que, embora tenha ganhado visibilidade nesta semana, a briga para se recuperar o estádio é antiga. “Não é só agora, não. Essa luta, esse embate pelo Complexo do Ibirapuera vem desde 2015.”
O último grande evento no estádio foi o Troféu Brasil Loterias Caixa de 2014, com a arquibancada cheia. Já a derradeira competição oficial realizada pela CBAt no local foi o Campeonato Brasileiro sub-16, um ano depois. Portanto, há quase nove anos não há disputas no local.
A última troca de borracha da pista se deu em 2011 e, em 2015, começaram a aparecer problemas, como bolhas, que impediam a realização de eventos oficiais.
Campos diz que, nesse período, já havia a predisposição do governo estadual de fazer a concessão do [Complexo do] Ibirapuera. “Então, simplesmente, deixou-se de fazer a manutenção de todo o aparelho. Intencionalmente, qual era o propósito? ‘Já que vai ser concedido à iniciativa privada, não vamos fazer o investimento, vamos passar para frente’. Os atletas que se virem, o atletismo e outras modalidades que lá estavam que procurassem outras casas”.
O presidente da CBAt diz que o governo insistia, com celeridade, na concessão do complexo ao longo desses anos. “Até que, em 2020, por uma questão estratégica, foi levada ao Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico Nacional] essa possibilidade de tombamento do Complexo do Ibirapuera, exatamente para que não fosse possível fazer a concessão para a iniciativa privada. Principalmente, que não perdesse sua função originária, que é o esporte”, afirma.
“Não é só saudosismo” Campos afirma que não será possível realizar o Troféu Brasil em São Paulo, a cidade mais rica do país, por falta de espaço adequado. A capital paulista também ficará de fora do roteiro dos Grand Prix internacionais de atletismo — disputas importantes para que atletas obtenham seus índices e pontuação no ranking mundial.
“A relevância não é só pelo saudosismo, mas também como templo maior do atletismo nacional”, diz. “Não estamos falando de um esporte de neve, de gelo, de elite, mas de atletismo. Esporte raiz”.
Segundo o presidente da CBAt, o Ícaro de Castro de Mello, no Ibirapuera, tem todas prerrogativas para continuar sendo esse grande templo, seja pelo acesso, localização, arquibancada. “Poder se utilizar para treinamento. Nos últimos 30 anos, não só de elite, mas atendendo também projetos sociais”, diz.
Uma alternativa seria o Centro Olímpico de São Paulo, nas proximidades da Rodovia dos Imigrantes, que recebeu o sul-americano no ano passado. Mas também não tem condição de receber campeonatos brasileiros neste ano. Não consegue receber porque as caixas para os corredores dos saltos e lançamento de dardos estão desgastadas. “É necessário refazer a borracha.”
O presidente da CBAt também diz que a realização de eventos no estádio poderia estimular crianças a praticarem o esporte pela pedagogia do exemplo. Campos diz que ele próprio viajou sozinho pela primeira vez, vindo de Londrina, no Paraná, para a capital paulista, para assistir provas de atletismo no estádio do Ibirapuera, ainda nos anos 1980.