São Paulo – As escolhas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e os ouvidos moucos do governo com relação a pleitos da agência por mais estrutura e independência de militares e delegados da Polícia Federal (PF) provocou decepção e queixas mesmo entre agentes que resistiram à chamada “Abin paralela” que atuou dentro do órgão durante o governo Jair Bolsonaro (PL).
Os agentes dizem se sentir, sobretudo, colocados na mesma prateleira, de maneira generalizada, onde se encontram policiais federais ligados a Bolsonaro que hoje são investigados por arapongagem com uso da agência.
Eles rechaçam que este grupo tenha conseguido institucionalizar práticas ilegais, apesar das tentativas, e vêem nas operações da Polícia Federal apenas mais evidência de que policiais federais ligados ao ex-presidente e alguns agentes cooptados por eles criaram um núcleo de arapongagem que passou ao largo de sistemas internos de operações da agência.
Esses agentes, majoritariamente, são de esquerda, e votaram em Lula. São formados em ciências humanas, e passaram em concursos nos anos 1990 e 2000 que privilegiava conhecimentos gerais e geopolítica. Eles chegaram a conviver com ex-agentes do extinto Serviço Nacional de Informação (SNI) da Ditadura Militar que acabaram incorporados ao órgão. Relatam que parte desses aposentados beirava ao lunatismo de investigar notícias patentemente falsas, como conspirações internacionais.
Esses agentes do SNI foram ficando cada vez mais escassos, e permaneceram na Abin oficiais e servidores ideologicamente opostos. Tão opostos que geravam desconfiança no ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O capitão reformado tinha impressão de que só havia “comunistas” dentro da Abin. Por isso, segundo eles, loteou sua cúpula com nomes como Alexandre Ramagem (PL), alinhados politicamente e leais ao presidente.
Esses agentes relatam ao Metrópoles que, não raro, resistiram a ordens manifestamente ilegais. Uma delas se deu durante a pandemia, em 2021, quando Bolsonaro tinha a CPI da Covid em seu calcanhar e estava em guerra com prefeitos e governadores. Repentinamente, surgiu no sistema interno uma ordem da cúpula, para que planilhassem um amontoado de suspeitas sobre chefes de executivo municipal e estadual.
A ordem vinha do policial federal Marcelo Bermovet, então chefe do Centro de Inteligência Nacional (CIN). Seja driblando aquilo que foi solicitado, ou denunciando o caso à imprensa, esses agentes se insurgiram.
Eles ressaltam que episódios investigados, como a ajuda à defesa de Flávio Bolsonaro (PL) no caso das rachadinhas, ou a campana no prédio do personal trainer de Jair Renan, eram conduzidos por gente da cúpula e de fora do órgão.
As próprias investigações evidenciaram que o monitoramento de adversários políticos não tinha rastro nos sistemas internos de operações da agência. Nesses sistemas, tudo fica registrado e nada some. Desde a ordem para que se abra uma apuração e elabore um relatório até previsões de gastos com operações, diligências a serem feitas, e análises internas sobre esses procedimentos ficam no sistema.
Esses agentes relatam que o uso do software First Mile, por si só, não configura ilegalidade. E que ele pode ajudar agentes que atuam com crime organizado e grupos suspeitos de terrorismo. Seu uso serve para localizar um alvo em um perímetro amplo, como o de alguns quarteirões. E a compra desse programa foi feita antes de Bolsonaro, ainda no governo de Michel Temer (MDB).
Todas as operações têm um relatório final, que é direcionado internamente ao órgão que a agência considera como um necessário receptor daquelas informações. Foram, por exemplo, produzidos, 33 alertas sobre atos golpistas entre 2 e 8 de janeiro. O material, revelado pelo jornal Folha de S. Paulo, foi encaminhado ao GSI e ao Ministério da Justiça.
A insatisfação dos agentes se dá porque, além de continuarem sob a tutela de policiais federais e não terem no comando da agência um oficial da carreira, eles sequer são recebidos no Planalto para outros pleitos, inclusive os salariais. Em parte, essa cúpula ainda tem nomes da gestão passada. Um deles, por exemplo, é o delegado da PF Alessandro Moretti, que foi duramente criticado no próprio pedido da PF por diligências na Operação Vigilância Aproximada. Ele foi braço-direito de Anderson Torres na diração da PF e é o número dois da Abin.
No aniversário do ministro da Casa Civil, Rui Costa, a Intelis, que reúne oficiais e servidores, deu os “parabéns” ao chefe da pasta ressaltando que ele ainda não os “conhece pessoalmente”, e que aguardavam sua “visita”. Eles reclamaram de um “desmonte” em curso na Abin.