A homofobia e o moralismo de parte da população brasileira são os elementos sórdidos que ampliam a curiosidade sobre o caso do assassinato do até então pouco conhecido ator Jeff Machado, morto por estrangulamento aos 44 anos em condições ainda não totalmente explicadas pela polícia, que segue investigando o crime. Jeff não tinha feito nenhuma novela de destaque antes de sua morte, apenas o papel pequeno de um soldado filisteu na novela Reis, da TV Record. No entanto, na medida em que a violência que interrompeu sua trajetória pessoal e artística era revelada, sofreu uma segunda morte, a social, que justifica os atos dos algozes a partir de algum comportamento das vítimas que é considerado ‘condenável’ no tribunal dos preconceitos nacionais.
Nesta sexta-feira, 02, um dos suspeitos de matar Jeff, Jeander Vinícius da Silva Braga, identificado pelos investigadores como garoto de programa, foi preso. O principal suspeito e comparsa dele é o produtor e ex-funcionário da TV Globo, Bruno de Souza Rodrigues, que também teve a prisão preventiva decretada pela Justiça, mas se encontrava foragido até a publicação deste texto.
Em depoimento dado à polícia antes da decretação da prisão preventiva, Bruno, que era assistente de produção e foi demitido da Globo por justa causa, pois oferecia participações em programas da emissora em troca de dinheiro, contou à polícia que Jeff Machado foi morto em 23 de janeiro. O corpo do ator, porém, só foi encontrado em maio passado, mumificado, amarrado e com marcas de violência, dentro de um baú enterrado a dois metros de profundidade e com camada de concreto por cima, no terreno de uma casa.
A própria aproximação de Bruno do ator, segundo a família de Jeff, teria ocorrido com base em um golpe parecido com o que ele aplicava quando ainda era funcionário da Globo. A mãe da vítima, Maria das Dores Estevão Machado, disse à polícia que Bruno Rodrigues teria acenado para seu filho com uma possibilidade de colocá-lo em algum trabalho na TV Globo e que teria cobrado dinheiro do ator diversas vezes – as quantias variavam de R$ 2 mil a R$ 12 mil para, segundo o produtor, cobrir vídeos e outras despesas que deveriam ser feitas por quem desejava ‘acontecer’ na TV.
Ainda no depoimento à polícia, Bruno teria contado que ele e mais dois homens, Jeander Vinicíus e um terceiro identificado apenas como Marcelo, se reuniram, em janeiro, na casa do ator, para gravar um vídeo de sexo para plataformas de conteúdo adulto. Bruno detalhou que Jeff, Jeander e Marcelo transavam enquanto ele gravava o conteúdo. Ainda acrescentou que não tinha participado das cenas, apenas feito o registro.
O advogado da família de Jeff Machado, Jairo Magalhães, afirma que Bruno está tentando escapar do indiciamento por homicídio virando a opinião pública contra a vítima. A julgar pelo histórico da internet quando os elementos sexo e crime brutal se unem e, ainda, levando em consideração o fato de que era sexo gay, o argumento faz sentido.
O advogado Jairo Magalhães acrescentou que a família de Jefferson Machado recebeu com alívio a notícia da prisão de Jeander Vinicius e destacou que os familiares do ator agora esperam a prisão de Bruno, que eles acreditam que foi o mandante do crime. O motivo, segundo uma das linhas investigativas, seria obter vantagens financeiras com pertences da vítima. Bruno, inclusive, diz a polícia, ficou com as chaves do carro e da casa, além de cartões de Jeff. Teria também movimentado R$ 5 mil da conta do ator morto.
Os chips da verdade
A investigação do desaparecimento de Jeff Machado só começou a chamar a atenção da polícia quando os oito cães da raça setter que o ator criava apareceram abandonados. Em sua conta com pouco mais de 10 mil seguidores no Instagram, Jeff postava fotos dos pets, que tinham nomes de astros da MPB: Tim Maia, Nando Reis, Elis Regina, Cazuza, Vinícius de Moraes, Gilberto Gil, Rita Lee e Caetano Veloso,
Os chips de identificação dos animais revelaram que se tratavam dos cães do ator e, ao rastrear o paradeiro de Jeff, a polícia acabou chegando à casa onde seu corpo foi encontrado, que estava alugada em nome de Bruno Rodrigues.
Em maio, mês em que o corpo de Jeff Machado foi achado, o Observatório de Mortes e Violências contra pessoas LGBT+ no Brasil, ligado ao GGB – Grupo Gay da Bahia – revelou que no ano passado ocorreram 273 mortes violentas dessa parcela da população no país. E boa parte dela, infelizmente, antes da morte física, também sofreu a violência social.
O que se sabe do caso:
A Vítima – Jeff Machado nasceu em Araranguá (SC). Era formado em Jornalismo e Cinema, escreveu para colunas sociais em revistas de cidades como Florianópolis (SC) e atuou como produtor, assessor de imprensa, vitrinista e cenógrafo, antes de começar a carreira como ator, no Rio de Janeiro. Ele também tinha um perfil no Instagram com mais de 10 mil seguidores, onde mostrava sua rotina ao lado de seus oito cães setter;
O desaparecimento – O ator desapareceu em janeiro deste ano. Na época, interpretava um soldado filisteu em novela da Record exibida desde março de 2022. O desaparecimento só foi comunicado à polícia em fevereiro e, somente em maio, seu corpo foi localizado graças aos chips em seus pets. Como o ator criava os setter com bastante zelo, o aparecimento dos animais abandonados em via pública ligou o alerta da polícia;
A Extorsão – Bruno de Souza Rodrigues, que segundo a família de Jeff Monteiro, teria prometido levar o ator para a TV Globo, ficou com os cartões do ator e as chaves da casa e carro da vítima. Ele chegou a movimentar R$ 5 mil da conta de Jeff;
A Reputação – Bruno Rodrigues, que teria se aproveitado da vítima alegando ser produtor de TV, disse à polícia durante as investigações que um terceiro homem de prenome Marcelo teria matado Jeff e que o ator havia participado de um vídeo de sexo com esse Marcelo e Jeander Braga. Bruno alegou que o suposto Marcelo – que a polícia desconfia ser fictício -,foi quem matou o ator e que ele e Jeander ‘apenas’ ocultaram o corpo;
Uma Prisão – Jeander Braga foi preso nesta sexta-feira (02) e disse à polícia que teria recebido R$ 500 para mentir em seu depoimento e confirmar a história contada por Bruno Rodrigues. Bruno, no mesmo dia, se encontrava foragido, embora tenha a prisão preventiva também decretada pela Justiça.