O que tece no tecido da dança e da vida o Balé Teatro Castro Alves em seus 42 anos de existência artística e criativa? Que caminhos suas narrativas coreográficas continuam abrindo? Que trânsitos percorrem a companhia de dança oficial da Bahia dentro e fora da caixa e do palco italiano? Que fronteiras esse corpo artístico, ao mesmo tempo experiente, jovem e maduro, ainda dilui em suas obras? A curiosidade sempre nos toma a cada estreia desse grupo que atravessa gerações. Dessa vez, sob a regência da coreografa, cineasta e nova diretora artística do BTCA, Daniela Guimarães, com assistência de coreografia de Anna Paula Drehmer e Ticiana Garrido.
“Plantando Jardins” é o nome da nova obra criada em site specific (para local específico). Inicialmente, para o jardim do centenário Palácio da Aclamação, no Passeio Público de Salvador, local de passado aristocrático, neocolonial e ex-residência de governadores baianos. Agora, palco ao ar livre para o BTCA. Tudo no espaço vira cena e cenário: os bancos, estátuas, luminárias, a escada, o gramado, os muros e todos os elementos ao alcance das possibilidades de interação, diálogo e criação da companhia.
Nessa atmosfera, o elenco permanece em cena o tempo inteiro. Vive a transição do dia, o passar do tempo, o tempo que intercala cada cena, respira o tempo de cada intérprete e transpira sua própria dança. Mergulha na percepção das possibilidades de tempo, de movimento e de conexão. Se alimenta do seu impulso criativo diante do outro e deste cenário vivo, natural e imprevisível, travando um duelo artístico com o espaço, soberano em si.
Tudo é muito vivo e dinâmico. Um jogo de criação compartilhado entre diretora e intérpretes muito equilibrado. Uma obra aberta, instalativa, que tem a capacidade de se transmutar a cada apresentação, reconstruindo narrativas e sentidos, nesse diálogo sinuoso com a arquitetura, onde as convenções de entradas e saídas agora acontecem sem a interrupção das coxias. Mas, sim, desnudadas diante do público.
Há uma visualidade criada a partir do cenário real do jardim e da interpretação dos dançarinos, que nos remete a uma perspectiva audiovisual. A música criada através da improvisação cênica em tempo real – um dos pilares da pesquisa de Daniela Guimarães – compõe esse diálogo entre linguagens, nessa comunicação imagem e som e também ao estabelecer uma relação espectador-espetáculo dentro da própria obra, alternando o foco e o protagonismo entre os intérpretes
O universo percussivo e eletrônico da criação de música ao vivo, assinada por Lucas de Gal e Wilton Batata, incorpora colagens de músicas africanas, brasileiras e indianas; assim como a sonoridade de nossos instrumentos mais genuínos e tradicionais, como o berimbau. Porém, tocado numa dimensão mais contemporânea, que nos faz lembrar da musicalidade do mestre Naná Vasconcelos.
“Plantando Jardins” tem como uma de suas referências o romance “As Cidades Invisíveis” (Ítalo Calvino, 1972). E essa inspiração literária da obra-prima de Calvino se traduz na obra na medida em que todo esse imaginário lúdico e fabuloso do jardim – especialmente, o do palácio – mexe com as nossas memórias afetivas, sociais e políticas desse espaço histórico de Salvador.
Relembrando aqui que Daniela Guimarães já havia assinado com o BTCA a coreografia do premiado filme “A Cidade que Habita em Mim”, com direção de Maria Carolina, documentário em vídeo-dança lançado em 2021 para celebrar os 40 anos da companhia.
Espetáculo “Plantando Jardins” – BTCA
Direção: Daniela Guimarães
Assistentes de coreografia: Anna Paula Drehmer e Ticiana Garrido
Músicos convidados ao vivo: Lucas de Gal e Wilton Batata
Consultoria de figurino: Fátima Berenguer e Mirela França
Elenco: Adriana Bamberg, Ângela Bandeira, Cristian Rebouças, Dayana Brito, Dina Tourinho, Douglas Amaral, Fátima Berenguer, Fernanda Santana, Gilmar Sampaio, Jai Bispo, Joely Pereira, Konstanze Mello, Lila Martins, Lílian Pereira, Luíza Meireles, Maria Ângela Tochilovsky, Mirela França, Mônica Nascimento, Rosa Barreto, Ruan Wills, Solange Lucatelli
Fotógrafo convidado: Llano
Agradecimentos: Voluntárias Sociais da Bahia
Quando: 31 de março e 1º e 2 de abril de 2023 (sexta, sábado e domingo), às 16h
Onde: Palácio da Aclamação (Av. Sete de Setembro, 1330 – Campo Grande)
Quanto: Gratuito
*em colaboração para o Jornal CORREIO