A cúpula da Câmara dos Deputados rejeita a proposta do Senado para mudar o rito de tramitação das Medidas Provisórias (MP), que alterna a Casa Legislativa que inicia a discussão do texto. A recusa dos deputados aumenta o impasse no Congresso Nacional e liga o sinal amarelo para o governo federal, que teme que as MPs editadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) percam a validade. As MPs têm força de lei a partir da data de sua publicação, mas precisaram ser referendadas pelo Legislativo em até 120 dias para não caducarem. Além da medida que altera o organograma da máquina pública, as novas regras para o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida e o Mais Médicos aguardam a aprovação da Câmara e do Senado.
O impasse ocorre em razão de uma discordância que envolve os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O parlamentar mineiro assinou um ato para a volta das comissões mistas, composta por parlamentares das duas Casas – esta dinâmica, prevista na Constituição, foi interrompida com a pandemia, quando as MPs passaram a ser votadas diretamente nos plenários, primeiro na Câmara e depois no Senado. Nos dois casos, a última análise sempre seria dos deputados. Lira não concordou com a volta dos colegiados e propôs um diálogo. Um grupo de senadores, então, formalizou uma proposta que prevê a votação direto no plenário, mas estabelecendo um rodízio entre quem iria iniciar a análise dos textos. Com isso, a palavra final ficaria ora com a Câmara, ora com o Senado. A intenção dos senadores, inclusive, era aprovar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para mudar o rito de tramitação.
Na noite da terça-feira, 21, o senador Cid Gomes (PDT-CE), líder do partido no Senado, apresentou uma PEC que, entre outras coisas, altera o artigo 62 da Constituição Federal, que versa sobre o rito de tramitação das MPs. Segundo apurou o site da Jovem Pan, o líder do MDB na Casa, Eduardo Braga (AM), já havia, inclusive, sido escolhido relator da proposta. O texto apresentado pelo pedetista oficializa o que vinha sendo gestado nos bastidores: “As medidas provisórias terão sua votação iniciada alternadamente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal”, diz um trecho do texto. “Ao se considerar a taxa de dominância do Poder Executivo em relação ao total de leis aprovadas, verifica-se que, em mais de 80% das leis, quem atuou como casa iniciadora foi a Câmara dos Deputados, o que termina por agravar esse desequilíbrio de papeis entre as Casas congressuais. “Para resolver essa distorção, estamos apresentando esta Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que visa a alterar os arts. 60, 61, 62 e 64 da Constituição Federal (CF), prevendo que as proposições de iniciativa do Presidente da República devem ter início alternadamente entre a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Além de resolver o desequilíbrio já registrado, trata-se de solução que está longe de ser inédita, já que se inspira no tratamento que é dado pelo Regimento Comum do Congresso Nacional (art. 142) aos projetos de lei oriundos de comissões mistas”, justifica Cid Gomes.
Nesta quarta-feira, 22, Lira e Pacheco se reuniram, mas não chegaram a um acordo. “Nós sempre priorizamos a não caducidade das MPs, e assim continuará sendo. No entanto, temos que ter a conclusão, inevitável, de que, não havendo mais a pandemia, em nova legislatura, com novo governo, com novas MPs, é obrigatório o cumprimento da Constituição, que determina que as medidas provisórias sejam submetidas a comissões mistas da Câmara e do Senado, o que permite a discussão específica e concentrada – elas são democráticas nesse aspecto, porque respeitam a proporcionalidade partidária. Há uma obviedade: não há pandemia, temos que voltar ao rito normal constitucional. Essa foi a posição do Senado logo no início do ano e aguardamos a posição da Câmara. “Ele [Lira] tem as suas impressões em relação ao que considera o mau funcionamento das comissões. Estamos dispostas a ouvir alternativas, desde que sejam alternativas legislativas e constitucionais que façam com que a Constituição seja cumprida no rito do Congresso”, disse Pacheco em coletiva de imprensa. O presidente do Congresso disse aguardar um acordo “até o final da semana”, para que o Congresso inicie o mês de abril “com a perspectiva de apreciação das MPs”.
Apesar da declaração de Pacheco, deputados ouvidos pelo site da Jovem Pan dizem que a ideia dos senadores de passar a alternar a recepção das MPs não tem o aval de nenhum líder da Câmara. Os parlamentares alegam que o Senado já possui competências privativas, como a sabatina e a aprovação de indicações para o Supremo Tribunal Federal, agências reguladoras e embaixadas. “Se o Senado quiser dividir indicação do STF, se o Senado quiser dividir [aprovação de indicação ao] STJ, embaixada, agência, a gente faz a alternância. A gente sabatina um, eles sabatinam outro”, disse Lira a jornalistas na noite da terça-feira, 21.