InícioEditorialCineAut leva programação cultural gratuita e acessível para pessoas com autismo

CineAut leva programação cultural gratuita e acessível para pessoas com autismo

Uma sessão de cinema com luz um pouco mais acesa, som um pouco mais baixo e crianças com a liberdade de andar pra lá e pra cá. Livres. Assim foi a 3ª edição do CineAut, iniciativa que promove, desde 2018, sessões de cinema adaptadas para crianças com autismo e seus familiares.

O projeto nasceu de um trabalho acadêmico da turma de Relações Públicas da Universidade do Estado da Bahia e, no último sábado, retornou após os dois anos de hiato impostos pela pandemia com um evento divido em três momentos: lançamento de um minidoc sobre as edições interiores, a sessão de cinema propriamente dita e, por fim, uma roda de conversa. Quem viu as crianças na Sala Walter da Silveira, nos Barris, sabe o quanto gostaram de estar ali.

Igor Nogueira é atleta profissional de jiu-jitsu e tem o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ele aprendeu com a mãe, Marleide Nogueira, a gostar de cinema, assistindo aos filmes dos Trapalhões. Igor foi diagnosticado com TEA aos 7 anos. A mãe percebia que o garoto era avesso a contato e não se comunicava verbalmente até os 6 anos de vida. “Desenvolvemos outras formas de comunicação e uma dela foi através do olhar”, explica Marleide, que é moradora do Candeal.

“A infância foi difícil porque não entendíamos alguns comportamentos. Meu filho teve uma infância marcada pelo preconceito, rotulado como maluco, retardado, esquisito e estranho. Foi vítima de bullying na escola e entre as outras crianças no nosso condomínio. Na nossa trajetória, percebemos que não é fácil lidar com as limitações do autismo, mas pior foi lidar com uma sociedade excludente e capacistista”, disse Marleide.

A programação do projeto contou com produções audiovisuais independentes e de temáticas voltadas para a inclusão: a animação AUTS, dublada por Artur Arraz, adolescente com TEA, e toda a sua família; a série Pequenos Narradores – Comunidade, projeto que tem como autores e protagonistas crianças de uma escola pública da comunidade do Calabar, produzida pela Takapy Digital Art em coprodução com a Griot Filmes; e, por fim, a série Min e As Mãozinhas, primeira animação feita em Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Marleide avalia que iniciativas como o CineAut são uma esperança para famílias de pessoas com TEA acessarem o lazer e trazer suavidade para uma caminhada que já é naturalmente pesada. “Iniciativas como o CineAut garantem o direito de acessar  esses espaços  adaptados à nossa realidade. Fomos a uma sessão do CineAut e a identificação do Igor foi imediata porque ele se viu naquele espaço. Um espaço acolhedor e extremamente inclusivo”, disse.

“O CineAut é um pedacinho de uma sociedade que tanto almejamos: justa, humana e inclusiva. Um espaço acolhedor e de intensa identificação”, completou.

Igor e sua mãe após treino no jiu-jitsu (Foto: Acervo Pessoal)

Organizadora do evento, Laura Cunha explica que o trabalho nasceu a partir dos relatos de colegas que tinham pessoas autistas na família e relataram a dificuldade de encontrar espaços de lazer seguros e que pensem na realidade das crianças. “Nessa sessão, buscamos adaptar a sala de cinema. A luz não tão escura, o som não tão alto para evitar as hipersensibilidades. Além da pesquisa e proximidade com o assunto, contamos com a ajuda de uma psicóloga e psicopedagoga para saber o que seria preciso para criar esse ambiente”, explicou.

A psicóloga e psicopedagoga Karla Cilene Santos Sousa acompanha o projeto desde o início e diz que a iniciativa é a garantia de um direito humano: “Precisamos pensar desde as pessoas que vão compor esse espaço até o ambiente propriamente dito Essas ações promovem um ambiente mais confortável e livre para a pessoa com autismo se manifestar”.

Karla Cilene conta que, mesmo com o diagnóstico semelhante, as pessoas com autismo são diferentes. Algumas delas apresentam sensibilidade auditiva, fazendo com que os estímulos sonoros sejam gatilhos para uma desregulação. Elas podem ficar agitadas, chorar e desejar sair do espaço. 

Por isso, deixar o volume mais baixo durante a projeção se torna uma opção mais efetiva. Quanto à regulagem de luz, um espaço totalmente escuro pode interferir na movimentação e eles poderiam acabar se machucando, tendo em vista que muitas pessoas com autismo apresenta quadros de estereotipias e agitação psicomotora.

Também psicóloga, Lara Bolatti explica que essas adaptações feitas no CineAut são importantíssimas: “A maioria das pessoas com TEA possui hipersensibilidade sensorial, ou seja, sentem com maior intensidade alguns estímulos. O som, por exemplo, fica mais alto; e a iluminação mais forte. O que pode causar agitação, ou até uma crise de desregulação”.

As duas especialistas afirmam que ações culturais são importantes tanto para a pessoa com autismo quanto para o seu entorno. “Muitas famílias ainda não se sentem confortáveis ou preparadas para lidar com olhares julgadores de uma sociedade ainda preconceituosa. E são nesses momentos que há trocas de vivências e conhecimentos, fazendo com que essas famílias não se sintam sozinhas e sejam encorajadas para, no seu tempo, irem enfrentando os obstáculos pela frente”, detalhou Bolatti.

Laura Cunha contou que ainda não sabe qual será o futuro do CineAut. A edição do último sábado também servirá como seu projeto de conclusão do curso de Relações Públicas. Agora, ela e a equipe começam a buscar alternativas de financiamento para manter o projeto vivo. A direção da Sala Walter da Silveira fez um convite para que o projeto aconteça mensalmente em suas dependências e a equipe de produção começou a luta para viabilizar a ideia para um público maior.

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