SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cirurgia de emergência do presidente Lula (PT), que deverá retirar o petista de circulação por um tempo ainda indefinido, ocorre em um delicado momento para a articulação do governo e tem potencial de reativar o abafado debate acerca de sua sucessão em 2026.
Por óbvio, tudo depende do prognóstico médico, que segundo os relatos iniciais é favorável. Mas médicos lembram que Lula é um idoso de 79 anos, e a recorrência da hemorragia cerebral após dois meses do acidente doméstico no Alvorada não tem nada de trivial.
Falar de saúde de autoridades é um tabu no mundo todo, mas ganha ares de blasfêmia no Brasil. Em público, claro, dado que em privado mensagens entre atores políticos nesta manhã já colocavam água no moinho de especulações de cenário.
Do que há de objetivo, a provável saída temporária de cena de Lula ocorre nas semanas em que o governo esperava avançar a negociação para aprovar de forma fatiada o pacote de medidas fiscais apresentado por Fernando Haddad (Fazenda).
O tempo é exíguo e, como o azedume do mercado já sinaliza, a tarefa é bastante espinhosa. Ficou ainda mais difícil com a decisão do ministro do Supremo Flávio Dino de manter regras mais duras para a liberação de emendas, nesta segunda (9).
A reação do Congresso foi epidérmica, prometendo enterrar o pacote de Haddad. Emissários de Lula correram para dizer que o presidente garantiria o destravamento do pagamento das emendas parlamentares, apesar da incredulidade geral.
Sem base musculosa e com a articulação política considerada pífia pelos caciques das Casas, nessas horas cabe a Lula pessoalmente empenhar sua palavra. São os famosos cafés, jantares e “uisquinhos no Alvorada” que azeitam tais arranjos.
A implicação é tão ampla que a despedida do desafeto lulista Roberto Campos Neto do Banco Central, na última reunião sob seu comando antes de passar a presidência do órgão para o indicado por Lula Gabriel Galípolo, já está sendo antecipada como um evento político nesta quarta (11).
Segundo consultorias, o juros básicos que deveriam subir 0,75% e ir a 12% podem se ainda mais elevados, dada a incerteza prevalente. Para piorar, nada disso sugere que o dólar deixará o patamar de R$ 6, o que em breve poderá trazer pressões inflacionárias -e mais juros.
O segundo aspecto do problema de saúde de Lula diz respeito à sua sucessão. Políticos experientes discutiam, em voz baixa, se o quadro do presidente poderá ter repercussões acerca de sua disposição de disputar a reeleição em 2026.
Mandachuva do PT desde sua fundação, em 1980, Lula nunca permitiu a ascensão de sucessores presumidos viáveis. O mais próximo disso foi Haddad, que ocupou a vaga do petista quando ele foi impedido de concorrer à Presidência contra Jair Bolsonaro (hoje no PL) por estar preso, em 2018.
Mas observadores lembram que o ministro só ganhou uma eleição na vida, quando virou prefeito de São Paulo em 2012, sendo humilhado quatro anos depois pelo então tucano João Doria no primeiro turno. Depois disso, fracassou em 2018 e 2022, quando tentou ser governador paulista e perdeu o segundo turno para o bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos).
Com a volta de Lula ao poder em 2023, Haddad foi ungido com um cargo de amplo destaque, mas com um grau de desgaste proporcional. Com a exceção de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), montado no Plano Real em 1994, ninguém ganhou voto no Brasil sendo ministro da Fazenda.
Além da impopularidade inerente à função em tempos normais, o próprio Lula trabalha contra a área econômica com frequência, cedendo aos instintos mais eleitoreiros e ao gosto de sua base à esquerda. O próprio anúncio do plano de Haddad, que temperou austeridade com perda de arrecadação, provou isso.
Isso dito, na prática Lula mantém-se como o único nome de seu campo para 2026, e um quadro de saúde fragilizada não favorece sua posição. Naturalmente, ele tem tudo para se recuperar e seguir competitivo, mas o incidente da cirurgia em si é um lembrete de quão precária é a posição política da esquerda no país.