O encontro dos presidentes dos países que integram o Brics — bloco de nações emergentes como Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — foi recheado de alfinetadas aos países desenvolvidos, críticas a multinacionais e à distribuição mundial de responsabilidades pelos desastres climáticos. Tudo isso era esperado. Um assunto, no entanto, voltou a ganhar força na cúpula, a desdolarização do comércio feito entre os países membros do bloco.
O tema, puxado pelo presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, já vem sendo debatido de forma discreta pelos membros, em especial China e Rússia, que hoje enfrentam tensões ou bloqueios comerciais com os Estados Unidos. Agora, com o reforço do Brasil, o tópico, que ainda divide opiniões de especialistas, começa a ganhar musculatura e gera dúvidas se setores como o petroleiro vão se beneficiar ou dar um tiro no pé caso adotem.
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A negociação direta entre os países em outras bases de troca que não o dólar é vista por alguns especialistas como uma forma de garantir que os países mantenham suas reservas dolarizadas e firmem negócios usando como base suas moedas correntes. “Não podemos dizer, de forma alguma, que isso substituiria o dólar. Não se trata de uma mera alteração, mas da construção de uma alternativa em um bloco comercial”, afirmou à DINHEIRO Andrey Mikhailishin, chefe do grupo de trabalho de serviços empresariais do Conselho Empresarial dos Brics.
A fala veio alinhada com o discurso de Lula no evento que aconteceu em Kazan, na Rússia. Por meio de uma videoconferência, o presidente disse que é “preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional. Essa discussão precisa ser enfrentada com seriedade, cautela e solidez técnica, mas não pode ser mais adiada”.
O primeiro passo, segundo o líder brasileiro, é colocar na linha de frente os bancos nacionais de desenvolvimento, entre eles o Banco dos Brics, presidido pela ex-presidente do Brasil, Dilma Rousseff. “Eles irão estabelecer linhas de crédito em moedas locais, que reduzirão os custos de transação de pequenas e médias empresas”. Segundo Lula, o atual fluxo financeiro internacional funciona como um rio que leva às nações desenvolvidas. “As economias emergentes e em desenvolvimento financiam o mundo desenvolvido”, disse.
Caminhos para o petróleo
Dentro desta possibilidade, alguns setores podem encontrar novos caminhos (sejam eles bons ou ruins), como é o caso do petroleiro. Hoje a China é o maior importador de óleo brasileiro, respondendo por cerca de 46,3% em 2023. A participação já ultrapassou 60%, mas caiu com a maior demanda mundial diante da diminuição da oferta russa após a guerra com a Ucrânia.
Quando falamos de exportações, 96% das realizadas em 2023 foram em dólar. Para Mikhailishin uma alternativa na forma de pagamento abriria o mercado de forma substancial aos países membros do bloco, além de evitar que grandes disparidades nas divisas provocadas pelo dólar desfaçam negócios entre as nações.
Mais cautelosa, a professora Luciana Maia Campos Machado, superintendente acadêmica e docente da Fipecafi, ressalta que a relevância da Petrobras no desenvolvimento econômico do Brasil exige cuidados e atenção especial com o setor. Segundo ela, entre janeiro e julho, o Brasil exportou US$ 27,8 bilhões de petróleo bruto e foi um dos motivos do equilíbrio das contas externas. “Em 2010 o setor representou quase 10% do PIB nacional, além do enorme impacto na balança comercial”, disse.
Diante de uma cadeia produtiva tão complexa e importante, é preciso ter calma antes de dar passos em direção ao desconhecido. Ainda que a política da boa vizinhança seja importante para o Brasil na relação com Rússia e China, dentro do jogo global, se faz imperativa a regra de “seguir o dinheiro” e, neste momento, o do Brasil aponta para o vizinho na América do Norte.
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