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Congresso completa 100 dias de legislatura com agenda travada por crise das MPs, abertura de CPIs e atritos entre base e oposição

Na última quinta-feira, 11, o Congresso Nacional completou 100 dias de mandato da 57ª legislatura, eleita nas urnas em outubro de 2022. Mesmo com a efeméride, os trabalhos legislativos ainda não engrenaram, o que afeta diretamente a agenda do governo Lula, que aposta todas as fichas no novo arcabouço fiscal e na reforma tributária, em um momento em que o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação política, é alvo de fritura – apesar da pressão, vale dizer, ele foi bancada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, a promessa de arrefecer os ânimos políticos entre os parlamentares, feita por Lula durante a campanha eleitoral, não têm surtido efeito. A oposição ao petista iniciou uma ofensiva contra os ministros do governo e transformaram as comissões da Câmara dos Deputados em um campo de batalha, com as sessões sendo interrompidas por xingamentos e, no limite, pela Polícia Legislativa. Em paralelo, há pelo menos três CPIs (Comissão Parlamentar de Inquérito) e uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, que congrega deputados e senadores) no radar, o que promete dragar as energias de boa parte das Casas.

Não é exagero dizer que boa parte da agenda do Congresso está umbilicalmente ligada aos atos do 8 de Janeiro, quando manifestaram invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes. Além do cabo de guerra envolvendo a criação – ou não – da CPMI para apurar ações e omissões envolvendo o vandalismo na capital federal, a oposição centrou esforços para aprovar convites e convocações a diversos ministros de Lula. A ida dos auxiliares do petista ao Legislativo transformou as comissões temáticas em um verdadeiro ringue. Na última semana, em audiência no Senado, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, alvo preferencial dos bolsonaristas, discutiu e trocou farpas com os senadores Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Sergio Moro (União-PR) e Marcos do Val (Podemos-ES). Em trecho que viralizou nas redes sociais, do Val afirma que queria ver Dino preso. Ouviu como resposta uma frase que arrancou risos e aplausos dos presentes: “Se o senhor é da Swat, eu sou dos Vingadores. Capitão América, Homem Aranha. Conhece?”, questionou. A fala foi uma ironia às declarações do senador que afirma ser instrutor da polícia de táticas especiais dos Estados Unidos. Em outra oportunidade, o ex-governador do Maranhão discutiu com o senador Sergio Moro (União Brasil-PR) e fez menção às acusações de que o ex-juiz agiu em conluio com o Ministério Público durante os julgamentos dos investigados pela Operação Lava Jato. “Eu sou uma pessoa honesta, ficha limpa. Eu fui juiz. Nunca fiz conluio com o Ministério Público. Nunca tive sentença anulada. E por ter sido um juiz honesto, ter sido um governador honesto, é que eu não admito que alguém venha dizer que eu deva ser preso”, pontuou. “Eu vim aqui como ministro e senador da República para ser respeitado. Se um senador acha que pode cercear minha palavra, se um senador diz que eu tenho que ser preso, isso é respeito? Se tiver deboche, eu não concordo”, respondeu Moro.

Em outra oportunidade, durante participação na Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado, o ministro Silvio Almeida subiu o tom contra o senador Eduardo Girão (Novo-CE), que tentou entregar ao chefe da pasta dos Direitos Humanos um feto de plástico para contestar a defesa da legalização do aborto no Brasil. Almeida chamou a atitude do parlamentar do Novo de “uma performance” e um “escárnio”. “Isso, para mim, é uma performance que eu repudio profundamente. Não quero receber isso por um motivo muito simples: eu vou ser pai agora. Em nome da minha filha, eu não vou receber. Isso é um escárnio. Isso é uma exploração inaceitável de um problema muito sério que temos no país”, pontuou. No entanto, o senador não aprovou a reação de Almeida e considerou que a resposta do ministro foi a “um militante” e “intolerante”. “Um convidado que veio à nossa Casa e teve uma reação indelicada, talvez não se vendo ali como um ministro de Estado, que representa toda a população brasileira, até quem pensa diferentemente dele, mas ali, como ministro, tem que se ter essa postura de tolerância”, disse.

Em paralelo, a letargia do Congresso pode ser explicada pela crise que opôs os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre o rito das medidas provisórias, as MPs. Lira defendia a manutenção do formato adotado durante a pandemia de Covid-19, quando os textos não passavam pelas comissões mistas, formadas por deputados e senadores. Pacheco, por sua vez, alegava que, com a melhora do quadro epidemiológico, o Congresso deveria retomar o rito constitucional. A queda de braço entre os chefes das duas Casas paralisaram a tramitação das MPs assinadas por Lula, que passaram a correr o risco de caducar, ou seja, perder a validade. Para superar o impasse, os líderes do governo concordaram em analisar algumas medidas nas comissões mistas, como as que reformulam a estrutura do governo federal; a que reinstitui o programa Minha Casa, Minha Vida; e a que recria o Bolsa Família, enquanto outras seriam convertidas em projetos de lei, como a MP do Carf. O governo minimiza a letargia da Câmara e do Senado e afirma que houve avanços no início do governo, como a aprovação do projeto de lei da igualdade salarial, a isenção do imposto de renda para quem ganha até dois salários mínimos e a aprovação da Lei Geral do Esporte. Ocorre que os grandes projetos, no entanto, ainda não saíram do papel.

Mais do que não ver grandes propostas aprovadas, o governo Lula 3 assistiu, neste início de maio, a duas derrotas na Câmara: primeiro, com o adiamento da votação do Projeto da Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet (PL 2630/2020), mais conhecido como PL das Fake News, e a aprovação do projeto de decreto legislativo (PDL) que derruba os decretos de Lula sobre o Marco Legal do Saneamento Básico. O PL das Fake News até teve sua urgência aprovada, mas, a pedido do relator, Orlando Silva (PCdoB-SP), foi retirado de pauta em meio à pressão das big techs e às críticas da oposição ao texto. A maior derrota do governo, no entanto, ocorreu na votação do PDL, quando MDB, PSD e União Brasl, partidos contemplados com ministérios orientaram voto contrário à medida assinada por Lula, o que expôs a fragilidade da base governista. Ainda que eleito sob o slogan da “Frente Ampla”, em um movimento que angariou o voto útil em prol de Lula das mais diversas personalidades políticas, de João Amoêdo, criador do partido Novo, ao jurista e ex-ministro Miguel Reale Júnior, autor do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, passando pelos chamados “pais do Plano Real”, o governo Lula 3 tem sido criticado por centralizar as principais decisões – e postos de comando – nas mãos de petistas. Dentro do Congresso, é comum ouvir de caciques partidários que o PT, além de comandar 10 dos 37 ministérios, está “com muita sede” nos cargos ligados aos governos estaduais. Além disso, há uma reclamação explícita sobre a demora na liberação de emendas e cargos dos segundo e terceiro escalões.

Para tentar superar as barreiras impostas pelo Congresso Nacional, o governo iniciou uma força-tarefa para liberação das emendas. Como a Jovem Pan mostrou, Lula liberou, em dois dias, mais de R$ 1 bilhão em recursos. No total, foram cerca de R$ 700 milhões na terça-feira, 9, e R$ 433 milhões na quarta-feira, 10, somando R$ 1,1 bilhão. Isso representa 68% de todo o montante distribuído pelo Planalto desde o início da gestão. Ao todo, desde o início do ano, foram empenhados R$ 1,6 bilhão. Os partidos mais contemplados com as emendas são: PT (R$ 197,2 milhões), o PSD (R$ 156,9 mi), o MDB (R$ 144,7 mi), o União Brasil (R$ 131 mi), e o Progressistas (R$118,6 mi). O União Brasil comanda três ministérios (Comunicações, Turismo e Integração Nacional), mas se diz independente e, na votação do projeto de decreto legislativo (PDL), que derrubou os decretos de Lula que alteraram as regras do Marco do Saneamento, entregou 48 votos para anular a medida do presidente. Por sua vez, entre os congressistas, o governo também privilegiou, em sua maioria, os aliados, sendo os mais contemplados: Mara Gabrilli (PSDB-SP), que recebeu R$ 26,7 milhões em emendas; Daniella Ribeiro (PSD-PB), com R$ 23,2 milhões; Jayme Campos (União-MT), com 16,8 milhões; Renan Calheiros (MDB-AL), com R$ 16,2 milhões; e o líder do PT no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), com R$ 15,6 milhões. Quem também aparece no top-10 dos congressistas mais agraciados com recursos até aqui é o senador Romário, do Partido Liberal, mesma sigla do ex-presidente Jair Bolsonaro. Com a liberação bilionária de recursos nos últimos dias, o Planalto espera azeitar a máquina, estancar a crise e salvar uma agenda que, no mês de maio, ainda não emplacou.

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